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O "Paganismo" da Igreja Católica

Por: Greg Oatis
Tradução: Carlos Martins Nabeto
Fonte: http://www.veritatis.com.br/

Certa gente sustenta que a Igreja Católica não foi fundada por Jesus Cristo, tratando-se muito mais de um culto pagão com laços que a unem com a antiga Babilônia. Esta idéia ganhou ampla difusão através de um livro intitulado “As Duas Babilônias”, publicado na Inglaterra por Alexander Hislop, em 1858, o qual pretendia estabelecer um paralelo entre os ensinamentos e práticas do Catolicismo com a religião mistérica praticada na citada Babilônia. No entanto, a metodologia usada pelo autor do livro, um ministro protestante sem qualquer formação séria, foi descartada e denunciada como falsa a partir do ponto de vista racional e histórico.

“E veio um dos sete anjos que tinham as sete taças, e falou comigo, dizendo-me: Vem, mostrar-te-ei a condenação da grande prostituta que está assentada sobre muitas águas; com a qual se prostituíram os reis da terra; e os que habitam na terra se embebedaram com o vinho da sua prostituição. E levou-me em espírito a um deserto, e vi uma mulher assentada sobre uma besta de cor de escarlata, que estava cheia de nomes de blasfêmia, e tinha sete cabeças e dez chifres. E a mulher estava vestida de púrpura e de escarlata, e adornada com ouro, e pedras preciosas e pérolas; e tinha na sua mão um cálice de ouro cheio das abominações e da imundícia da sua prostituição; E na sua testa estava escrito o nome: Mistério, a grande Babilônia, a mãe das prostituições e abominações da terra. E vi que a mulher estava embriagada do sangue dos santos, e do sangue das testemunhas de Jesus. E, vendo-a eu, maravilhei-me com grande admiração. E o anjo me disse: Por que te admiras? Eu te direi o mistério da mulher, e da besta que a traz, a qual tem sete cabeças e dez chifres” (Apocalipse 17,1-7).

Esta passagem bíblica é usada freqüentemente para “provar” que a Igreja Católica é a “prostituta da Babilônia” descrita por São João em sua visão. Tal interpretação não é apenas errônea mas também impossível de ser reconciliada com a História. É óbvio, para quem estuda as Escrituras seriamente, que São João está se referindo a Roma como “a Grande Prostituta”, já que Roma e Babilônia foram as únicas duas potências do mundo a quem Deus permitiu assolar Jerusalém, levando seu povo cativo ao exílio. Tanto escritos judaicos quanto cristãos têm comparado Roma com a antiga Babilônia, já que ambas subjugaram Israel, destruíram o Grande Templo e assolaram Jerusalém.

Um conhecido promotor das interpretações de Hislop, Ralph Woodrow, seguindo o mesmo caminho, chegou a escrever outro livro, chamado “Babilônia: a Religião dos Mistérios”. Anos depois, Woodrow precisou rejeitar o método que havia aprendido de Hislop, quando eruditos de seu próprio grupo protestante lhe apontaram seus graves erros e sua falta de erudição. Em 1997, Woodrow publicou uma retratação, “Conexão Babilônia?”, na qual expõe os pontos de partida essencialmente equivocados das teorias originais do religioso fundamentalista escocês. Para ilustrar o tipo de lógica defeituosa em questão, Woodrow usa os mesmíssimos métodos de Hislop para “demonstrar” uma teoria disparatada: que uma certa cadeia de restaurantes de fast-food tinha sua origem na Babilônia. Citemos:

Carta a um fundamentalista

Por Steve Ray
Tradução: Carlos Martins Nabeto
Fonte: Veritatis Splendor

Jesus foi judeu. Este fato escapa de alguns leitores ocasionais do Novo Testamento. No entanto, é crucial para entender Jesus e o Livro que foi escrito sobre Ele: a Bíblia. Infelizmente, estamos muito distantes do tempo da antiga cultura e vida de Israel; e, conseqüentemente, de Jesus, o Messias judeu.

Permita-me fazer algumas perguntas. Você nasceu e foi criado em Israel? Você estudou a Torah com os rabinos desde a infância? Você atravessou as colinas pedregosas e os caminhos poeirentos para celebrar as festas de guarda em Jerusalém? Você fala hebraico, aramaico e grego? Não encontrei muitos em minha paróquia católica que cumprem estes requisitos. Sem este mínimo de informação estaremos em desvantagem quando estudarmos a Palavra de Deus segundo se encontra na Bíblia.

Quando abrimos as páginas da Bíblia em nosso idioma, nos encontramos diante de um livro judaico! As cenas se desenvolvem ao redor de Israel e a adoração de Javé. Com apenas uma única exceção, os quarenta e tantos escritores da Bíblia foram judeus; e a exceção foi muito provavelmente um prosélito judeu (sabe quem é o único autor não-judeu da Bíblia? Darei algumas pistas: era médico, um dos colaboradores de São Paulo e escreveu a primeira História da Igreja).

A questão é: Como podemos entender a Bíblia e os ensinamentos que giram em torno de Nosso Senhor Jesus e a salvação sem compreender seu povo, sua cultura e sua identidade judaica?

David H. Stern, um judeu-messiânico, escreve: “A morte substituitória do Messias tem suas raízes no sistema sacrificial judaico; a Ceia do Senhor tem suas raízes na Páscoa tradicional judaica; o batismo é uma prática judaica; de fato, em sua totalidade o Novo Testamento encontra-se construído sobre a Bíblia hebraica com suas profecias e sua promessa de uma Nova Aliança. De tal maneira que o Novo Testamento sem o Antigo é tão impossível quanto o segundo andar de uma casa sem o seu primeiro andar. Ainda mais: muito do que está escrito no Novo Testamento é incompreensível quando separado do Judaísmo” (“Restoring the Jewishness of the Gospel”. Jerusalem: Jewish New Testament Publications, 1998, p.62).

Ainda que um cético ignorasse a importância dos judeus no plano de Deus para a salvação, o que seria ridículo, isso não mudaria o fato de que a Bíblia é judaica e que o Cristianismo brota de raízes puramente judaicas. O estudo da Bíblia se vivifica quando a brisa fresca do entendimento do judaico sopra sobre as suas páginas.

Quando se lê um bom livro, é difícil beneficiar-se de sua leitura se não nos submergimos no ambiente e no espírito do “relato”. Enquanto lêem “E o vento levou…”, os leitores tiram proveito de sua imersão na história, adentrando na cultura e ambiente que rodeia os protagonistas. Ninguém começa a ler o romance a partir do meio porque, se fizer isto, ficará privado da base assentada pelo início do relato, tornando impossível a apreciação do cenário, da trama, do tom e das personagens. O mesmo ocorre quando o Novo Testamento é lido com a falta de familiaridade dos primeiros “capítulos” da história judaica de Deus, que começa vários milênios antes, nos pactos e na vida do Antigo Testamento.

Tomemos um exemplo que é muito caro ao coração dos católicos. São Mateus registra uma profunda troca de palavras entre Jesus e Simão, o pescador. Jesus muda o nome deste discípulo de Simão para “Pedra”, o que na tradição judaica significa uma mudança de situação. Para nós, isto não significa muito porque somos ocidentais a mais de dois milênios de distância e não entendemos a importância que os semitas dão ao nome próprio. Entretanto, para o reduzido grupo de discípulos de Jesus, todos descendentes de Abraão, a mudança de nome tem um sentido profundo e comovedor. O próprio Abraão recebera uma mudança de nome da parte de Deus; tal mudança correspondia à ratificação da Antiga Aliança. O nome Abrão (que significa “pai”) foi alterado para Abraão (“pai das nações”), significando uma nova condição ou situação diante de Deus.

A mudança do nome de Simão é significativa. Porém, ainda mais importante é aquilo que foi mudado. Um judeu perceberia imediatamente o que a maioria dos leitores [ocidentais] não consegue notar. O nome “Pedro” é a versão portuguesa da palavra grega que significa “pedra”. Jesus falava aramaico e a palavra empregada para atribuir o novo nome a Simão foi a palavra aramaica “kefa”, que também significa “pedra”. É por isso que Simão é chamado de “Cefas” em certas passagens do Novo Testamento (p.ex. João 1,42; 1Coríntios 15,5; Gálatas 1,18). Ninguém fôra chamado “pedra” anteriormente, a não ser Deus (e Abraão). Abraão é referido como a pedra da qual os judeus saíram (Isaías 51,1). No entanto, Deus é o único a ser chamado “pedra”. Pedro agora compartilha este nome. O que pensaria um judeu ao ver que é outorgado semelhante nome a um simples homem?

Na mesma passagem encontramos outro exemplo surpreendente da necessidade de se conhecer o espírito judaico da Bíblia. Encontra-se na frase de Mateus 16,19, que menciona as “chaves do Reino”. Em parte, devido à falta de conhecimento da cultura judaica, esta passagem é entendida freqüentemente da forma incompleta, reduzindo-se o conceito das “chaves do Reino” simplesmente à pregação, por parte de Pedro, durante o Pentecostes (outra palavra desconhecida fora da religião judaica), “abrindo com as chaves as portas dos céus”. Muitos protestantes cometem este erro ao tentar compreender esta passagem sem contar com o benefício de um “antecedente judaico”. O que representavam as “chaves” para os judeus que realmente ouviram a Palavra de Deus? Qual interpretação daria um judeu da imagem das chaves que o Rei Jesus entregou a Pedro? Os fariseus memorizavam grandes partes do Antigo Testamento, se é que não memorizavam todo o “Tanakh”. O judeu de conhecimento médio conhecia profundamente as Escrituras. Quando Jesus disse a Pedro que ele receberia as “chaves do Reino dos céus”, os judeus imediatamente recordariam Isaías 22 e o despacho monárquico do Mordomo Real que administrava a casa do Rei.

Leia você mesmo a Isaías 22 e pense no cargo do Mordomo Real “da casa” do reino de Davi. Para aqueles judeus que creriam logo da primeira vez em Yeshua, o Messias que logo se sentaria no Trono do Pai Davi e receberia um reino eterno (Daniel 7,13-14; Lucas 1,26-33), estas eram palavras de grande profundidade. Quando fosse entronizado o novo Rei, os súditos judeus não esperariam que o Rei designasse seu Administrador Real? Aleluia! A Simão foi dado [por Jesus] o nome de Pedra, o nome israelita que implicava o poder de Deus, e a ele são confiadas também as chaves do Mordomo Real, para governar o império do Rei Jesus. Ah! Os Judeus compreenderam! E o que podemos dizer dos homens e mulheres do século XX/XXI? Isto não deveria nos dissuadir de ler a Bíblia; pelo contrário, nos deveria estimular a melhorar o nosso conhecimento das Escrituras, seus antecedentes e o mundo do povo judeu.

A Igreja cresce a partir da raiz judaica; a Igreja e as Escrituras são judaicas. Que o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó nos ilumine e nos faça amar a Palavra de Deus tal como está nas Escrituras e na Sagrada Tradição da Igreja.

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Observações:
[1] Durante o holocausto nazista, para demonstrar sua solidariedade com os judeus, o Papa Pio XII relacionou a fé católica com a fé de “nosso Pai” e em um discurso declarou enfaticamente: “Espiritualmente somos semitas”. A expressão do Papa Pio XII de que “todos nós somos semitas em espírito” tem conotações muito mais profundas do que alguém normalmente possa pensar. Repito: tudo o que existe nas fundamentais, permanentes e constitutivas instituições da Igreja é de origem judaica. Assim como o “Apóstolo” cristão provém diretamente do judaico “Shaliah”, o “Bispo” cristão é herdeiro do “Meqaber” de Qumran e do sumo-sacerdote de Jerusalém. O “Presbítero” cristão se origina do “Presbítero” (Ancião) judaico. O “Diácono” cristão, no “Levita” e “Hyperetes” das sinagogas. Até mesmo o “Leigo” cristão tem fundamento no “sacerdócio” aarônico (Louis Bouyer, The Church of God. Electronic Media: Welcome to the Catholic Church, produzido por Harmony Media, Inc., 1996).
[2] “Porque eu mesmo poderia desejar ser anátema de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne; Que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e as alianças, e a lei, e o culto, e as promessas; Dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém” (Romanos 9,3-5).
[3] “O Novo Testamento tem que ser lido à luz do Antigo [Testamento]. A catequese dos primeiros cristãos empregava de forma permanente o Antigo Testamento. Como expressa um antigo dito, ‘o Novo Testamento jaz oculto no Antigo Testamento e este se revela no Novo'” (Catecismo da Igreja Católica §129).

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Bibliografia:
1. Jewish New Testament Commentary, David H. Stern. Clarksville, Maryland: Jewish New Testament Publ. 1992.
2. The IVP Bible Background Commentary: New Testament, Craig Keener. Downer’s Grove, Illinois, InterVarsity Press, 1993.
3. Christianity is Jewish, Edith Schaeffer. Wheaton, Illinois: Tyndale House, Publ. 1981.
4. Ancient Israel: It’s Life and Institutions, Fr. Roland De Vaux. Grand Rapids, Michigan, William B. Eerdmans Publishing Co.).
5. Daily Life in the Times of Jesus, Henri Daniel-Rops. New York: Hawthorn Books, 1962.
6. Commentary on the New Testament from the Talmud and Hebraica, em quatro volumes, John Lightfoot. Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publ. 1995.

Tertuliano de Cartago

Por Papa Bento XVI
Tradução: Zenit
Fonte: Vaticano/Zenit

Queridos irmãos e irmãs:

Com a catequese de hoje retomamos o filho abandonado por ocasião da viagem no Brasil e seguimos falando das grandes personalidades da Igreja antiga: são mestres de fé também para nós hoje e testemunhas da perene atualidade da fé cristã.

Hoje falaremos de um africano, Tertuliano, que entre o final do século II e inícios do século III inaugura a literatura cristã em latim. Com ele começa uma teologia nesse idioma. Sua obra deu frutos decisivos, que seria imperdoável infravalorizar. Sua influência se desenvolve em diversos níveis: desde a linguagem e a recuperação da cultura clássica, até a individualização de uma «alma cristã», comum no mundo e na formulação de novas propostas de convivência humana.

Não conhecemos exatamente as datas de seu nascimento e de sua morte. Contudo, sabemos que em Cartago, ao final do século II, recebeu de pais e mestres pagãos uma sólida formação retórica, filosófica, jurídica e histórica. Converteu-se ao cristianismo atraído, segundo parece, pelo exemplo dos mártires cristãos.

Começou a publicar seus escritos mais famosos no ano 197. Mas uma busca muito individual da verdade junto com a intransigência de seu caráter, o levaram pouco a pouco a abandonar a comunhão com a Igreja e a unir-se à seita do montanismo. Contudo, a originalidade de seu pensamento e a incisiva eficácia de sua linguagem lhe dão um lugar de particular importância na literatura cristã antiga.

São famosos sobretudo seus escritos de caráter apologético. Manifestam dois objetivos principais: em primeiro lugar, o de refutar as gravíssimas acusações que os pagãos dirigiam contra a nova religião; e em segundo lugar, de maneira mais positiva e missionária, o de comunicar a mensagem do Evangelho em diálogo com a cultura de sua época.

Sua obra mais conhecida, «Apologético», denuncia o comportamento injusto das autoridades políticas com a Igreja; explica e defende os ensinamentos e os costumes dos cristãos, apresenta as diferenças entre a nova religião e as principais correntes filosóficas da época; manifesta o triunfo do Espírito, que opõe à violência dos perseguidores o sangue, o sofrimento e a paciência dos mártires: «Por mais que seja refinada — escreve o autor africano –, vossa crueldade não serve de nada: ainda mais, para nossa comunidade constitui um convite. Depois de cada um de vossos golpes de machado, nós nos tornamos mais numerosos: o sangue dos cristãos é semente eficaz! (semen est sanguis christianorum!)» (Apologético 50, 13). No final, o martírio e o sofrimento vencem, e são mais eficazes que a crueldade e a violência dos regimes totalitários.

Mas Tertuliano, como todo bom apologeta, experimenta ao mesmo tempo a necessidade de comunicar positivamente a essência do cristianismo. Por este motivo, adota o método especulativo para ilustrar os fundamentos racionais do dogma cristão. Ele os aprofunda de maneira sistemática, começando com a descrição do «Deus dos cristãos». «Aquele a quem adoramos é um Deus único», testifica o apologeta. E prossegue, utilizando os paradoxos característicos de sua linguagem: «Ele é invisível, ainda que possa ser visto; inalcançável, ainda que esteja presente através da graça; inconcebível, ainda que os sentidos possam concebe-lo; por este motivo é verdadeiro e grande» (ibidem 17, 1-2).

Tertuliano também dá um passo enorme no desenvolvimento do dogma trinitário; ele nos deixou a linguagem adequada em latim para expressar este grande mistério, introduzindo os termos de «uma substância» e «três Pessoas». Também desenvolveu muito a linguagem correta para expressar o mistério de Cristo, Filho de Deus e verdadeiro Homem.

O autor africano fala também do Espírito Santo, demonstrando seu caráter pessoal e divino: «Cremos que, segundo sua promessa, Jesus Cristo enviou por meio do Pai o Espírito Santo, o Paráclito, o santificador da fé de quem crê no Pai, no Filho e no Espírito» (ibidem 2,1).

Em suas obras se lêem também numerosos textos sobre a Igreja, que Tertuliano reconhece como «mãe». Inclusive após sua adesão ao montanismo, ele não esqueceu que a Igreja é a Mãe de nossa fé e de nossa vida cristã. Analisa também a conduta moral dos cristãos e a vida futura.

Seus escritos são importantes também para compreender tendências vivas nas comunidades cristãs sobre Maria Santíssima, sobre os sacramentos da Eucaristia, do Matrimônio e da Confissão, sobre o primado de Pedro, sobre a oração…

Em especial, naqueles anos de perseguição nos quais os cristãos pareciam uma minoria perdida, o apologeta os exorta à esperança, que — segundo seus escritos — não é simplesmente uma virtude, mas um estilo de vida que envolve cada um dos aspectos da existência cristã.

Temos a esperança de que o futuro seja nosso porque o futuro é de Deus. Deste modo, a ressurreição do Senhor se apresenta como o fundamento de nossa ressurreição futura, e representa o objeto principal da confiança dos cristãos: «A carne ressuscitará — afirma categoricamente o africano: toda a carne, precisamente a carne. Ali onde se encontre, ela se encontra em consigna ante Deus, em virtude do fidelíssimo mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, que restituirá Deus ao homem e o homem a Deus» («A ressurreição do corpo», 63, 1).

Desde o ponto de vista humano, pode-se falar sem dúvida do drama de Tertuliano. Com o passar do tempo, ele se tornou cada vez mais exigente com os cristãos. Pretendia deles em toda circunstância, e sobretudo nas perseguições, um comportamento heróico. Rígido em suas posições, não poupava duras críticas e acabou inevitavelmente isolando-se. De fato, hoje em dia ainda ficam abertas muitas questões, não só sobre o pensamento teológico e filosófico de Tertuliano, mas também sobre sua atitude ante as instituições políticas da sociedade pagã.

Esta grande personalidade moral e intelectual, este homem que ofereceu uma contribuição tão grande ao pensamento cristão, me faz refletir muito. Vê-se no final que lhe falta a simplicidade, a humildade para integrar-se na Igreja, para aceitar suas fraquezas, para ser tolerante com os outros e consigo mesmo.

Quando só se vê o próprio pensamento em sua grandeza, no final se perde esta grandeza. A característica essencial de um grande teólogo é a humildade para estar com a Igreja, para aceitar suas próprias fraquezas, pois só Deus é totalmente santo. Nós, contudo, sempre temos necessidade de perdão.

Em definitivo, o autor africano permanece como uma testemunha interessante dos primeiros tempos da Igreja, quando os cristãos se converteram em sujeitos de «nova cultura» no encontro entre herança clássica e mensagem evangélica. É sua a famosa afirmação, segundo a qual, nossa alma é «naturaliter cristã» («Apologético», 17, 6), com a qual Tertuliano evoca a perene continuidade entre os autênticos valores humanos e os cristãos; e também é sua a reflexão, inspirada diretamente no Evangelho, segundo a qual «o cristão não pode odiar nem sequer seus próprios inimigos» (cf. «Apologético», 37). Implica uma conseqüência moral ineludível, a opção de fé que propõe a «não-violência» como regra de vida: e não é possível deixar de ver a dramática atualidade do ensinamento, à luz do acendido debate das religiões.

Nos escritos do africano, em definitivo, são tratados numerosos temas que ainda hoje temos de enfrentar. Eles nos envolvem em uma fecunda busca interior, à qual convido todos os fiéis, para que saibam expressar de maneira cada vez mais convincente a «Regra da fé», segundo a qual, como diz Tertuliano, «nós cremos que há um só Deus, e não há outro fora do Criador do mundo: ele fez tudo do nada por meio de seu Verbo, gerado antes de tudo» («A prescrição dos hereges» 13, 1).

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