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Os católicos adoram os santos?

Por Alessandro Lima
Fonte: Veritatis Splendor

“Pela tarde chegaram os dois anjos a Sodoma. Lot, que estava assentado à porta da cidade, ao vê-los, levantou-se e foi-lhes ao encontro e prostrou-se com o rosto por terra” (Gn 19,1).

Todo católico já deve ter sido interpelado por um protestante a respeito do uso das imagens na Igreja Católica. Suas perguntas nesta matéria sempre vêm com a acusação de que nós católicos somos idólatras porque fazemos uso das imagens. O mais interessante e também triste é que normalmente essas pessoas se dizem ex-católicas. E não me surpreendo em sempre verificar que foram “católicos” muito mal formados ou totalmente ignorantes da doutrina que dizem ter professado.

Será que esses ex-“católicos” já leram no Catecismo da Igreja Católica o ensino da Igreja sobre o uso das imagens? Lá encontramos:

2131. Com base no mistério do Verbo encarnado, o sétimo Concílio ecuménico, de Niceia (ano de 787) justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: dos de Cristo, e também dos da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Encarnando, o Filho de Deus inaugurou uma nova «economia» das imagens.

2132. O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. Com efeito, «a honra prestada a uma imagem remonta (63) ao modelo original» e «quem venera uma imagem venera nela a pessoa representada» (64). A honra prestada às santas imagens é uma «veneração respeitosa», e não uma adoração, que só a Deus se deve:

«O culto da religião não se dirige às imagens em si mesmas como realidades, mas olha-as sob o seu aspecto próprio de imagens que nos conduzem ao Deus encarnado. Ora, o movimento que se dirige à imagem enquanto tal não se detém nela, mas orienta-se para a realidade de que ela é imagem» (65).” (Catecismo da Igreja Católica, 2131-2132.)

Será mesmo que católicos conhecedores da doutrina da Igreja tornam-se protestantes? Muito difícil que isso aconteça. A regra deste tipo de conversão se dá com católicos ignorantes e mal-formados.

Na Sagrada Escritura há outras passagens que condenam a confecção de imagens como, por exemplo: Lv 26,1; Dt 7,25; Sl 97,7 e etc. Mas também há outras passagens que defendem sua confecção como: Ex 25,17-22; 37,7-9; 41,18; Nm 21,8-9; 1Rs 6,23-29.32; 7,26-29.36; 8,7; 1Cr 28,18-19; 2Cr 3,7,10-14; 5,8; 1Sm 4,4 e etc.

Pode Deus infinitamente perfeito entrar em contradição consigo mesmo? É claro que não. E como podemos explicar esta aparente contradição na Bíblia? Isto é muito simples de ser explicado. Deus condena a idolatria e não a confecção de imagens. Quando o objetivo da imagem é representar um ídolo que vai roubar a adoração devida somente a Deus, ela é abominável. Porém quando é utilizada ao serviço de Deus, no auxílio à adoração a Deus, ela é uma benção.

Estes são alguns dos exemplos em que Deus mandou fazer imagens para o reto uso religioso:

“Farás também dois querubins de ouro; de ouro batido os farás, nas duas extremidades do propiciatório. Farás um querubin na extremidade de uma parte, e outro querubin na extremidade de outra parte; de uma só peça com o propiciatório fareis os querubins nas duas extremidades dele.” (Ex 25,18-19)

“E disse o Senhor a Moisés: Faze uma serpente ardente e põe-na sobre uma haste; e será que viverá todo mordido que olhar para ela. E Moisés fez uma serpente de metal e pô-la sobre uma haste; e era que, mordendo alguma serpente a alguém, olhava para a serpente de metal e ficava vivo.” (Nm 21,8-9)

“Este [Ezequias] tirou os altos, e quebrou as estátuas, e deitou abaixo os bosques e fez em pedaços a serpente de metal que Moisés fizera, porquanto até aquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso e lhe chamavam Neustã.”(2Rs 18,4).

Embora a Bíblia mostre claramente em quais casos a confecção das imagens é permitida, os “leitores da bíblia” proíbem o uso das imagens em qualquer caso, desta forma extrapolando indevidamente o mandamento de Deus.

Ajoelhar-se e prostar-se é sempre adoração ou idolatria?

Dizem ainda que nós católicos somos idólatras porque nos ajoelhamos diante das imagens dos santos e lhe fazemos pedidos. Esta acusação demonstra uma tremenda ignorância por parte dos protestantes entre o culto de adoração (latria) e o culto de veneração (dulia). A própria Escritura que eles dizem conhecer e seguir dá testemunho da distinção entre as duas coisas.

Ajoelhar-se também é um sinal de reverência e veneração. Os súbitos devem prestar veneração pelos Reis, ou por uma autoridade suprema. O filho pelos pais, os alunos pelos professores e os discípulos pelo mestre. Tudo isso está em conformidade com a ordem estabelecida por Deus. Vejamos alguns exemplos na Sagrada Escritura:

“Pela terceira vez, mandou o rei [Ocozias da Samaria] um chefe com os seus cinqüenta homens, o qual, chegando aonde estava Elias, pôs-se de joelhos e suplicou-lhe, dizendo: Peço-te, ó homem de Deus, que a minha vida tenha algum valor aos teus olhos e a destes cinqüenta homens teus servos ” (2Rs 1,13).

Na passagem acima um mensageiro do Rei Ocozias da Samaria põe-se de joelhos diante do Profeta Elias. Por que faz isso? Para suplicar-lhe que permita viver com seus cinqüenta companheiros de viagem, pois antes Elias mandou vir fogo do céu sobre duas equipes anteriores. O ato de súplica não é um ato de adoração, mas de humildade, de rebaixamento, onde se reconhece no outro sua superioridade ou seu poder de atender-lhe um pedido.

Nós católicos quando nos ajoelhamos diante das imagens dos santos e lhe fazemos pedidos, não estamos adorando ídolos, mas dirigindo nossa súplica aos nossos irmãos na fé que representados por suas imagens já se encontram na presença de Deus. O ajoelhar-se do católico aí é um ato de súplica e não de adoração. Com efeito, ensina o Catecismo da Igreja Católica”

956. A intercessão do santos. “Pelo fato de os habitantes do Céu estarem unidos mais intimamente com Cristo, consolidam com mais firmeza na santidade toda a Igreja. Eles não deixam de interceder por nós ao Pai, apresentando os méritos que alcançaram na terra pelo único mediador de Deus e dos homens, Cristo Jesus. Por conseguinte, pela fraterna solicitude deles, nossa fraqueza recebe o mais valioso auxílio” (Lumen Gentium 49)

Será que os ex-“católicos” alguma vez leram este parágrafo do Catecismo? Sinceramente, eu duvido… Vejamos outro interessante testemunho da Escritura Sagrada:

“Abraão levantou os olhos e viu três homens de pé diante dele. Levantou-se no mesmo instante da entrada de sua tenda, veio-lhes ao encontro e prostrou-se por terra” (Gn 18,2).

O texto sagrado testemunha que Abraão prostra-se ao ver os três anjos do Senhor. Devemos acusar o Patriarca de idolatria? Obviamente que Abraão não estava adorando os anjos, pois se fosse este o caso eles o teriam repreendido, como fez o anjo que revelava o apocalipse a S. João (cf. Ap 22,8-9). Entretanto, Abraão estava prestando-lhes culto de reverência, reconhecendo a condição superior dos anjos de Deus.

Alguém poderia objetar dizendo: “mas, os santos não são anjos são homens como nós”. Com efeito, são humanos como nós, mas além de estarem no céu podendo levar nossos pedidos a Deus, eles estão em condição superior à nossa, pois já gozam da Glória de Deus, já venceram as batalhas que ainda teremos que vencer. Nesta matéria lembremos de um importante ensinamento de Cristo:

“Aquele que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar assim aos homens, será declarado o menor no Reino dos céus. Mas aquele que os guardar e os ensinar será declarado grande no Reino dos céus” (Mt 5,19).

Ora, por acaso não são os santos exatamente aquelas pessoas que venceram na fé e que agora podem ser consideradas grandes no Reino dos Céus como ensinou Nosso Senhor? Cabe ainda lembrar que para o Senhor o menor no Reino do Céu é maior do que qualquer um que esteja vivendo na terra (cf. Mt 11,11).

Embora os atos de veneração e súplica sejam externamente iguais à reverência que se deve somente a Deus, internamente são coisas bem distintas e a própria Escritura Sagrada distingue bem as duas coisas. Mais alguns exemplos interessantes:

“Moisés saiu ao encontro de seu sogro, prostrou-se e beijou-o. Informaram-se mutuamente sobre a sua saúde e entraram na tenda” (Ex 18,7).

“Quando Abigail avistou Davi, desceu prontamente do jumento e prostrou-se com o rosto por terra diante dele” (1Sm 25,23).

Porém, alguém poderia levantar a seguinte objeção: “mas, os exemplos dados são de pessoas vivas venerando pessoas vivas e não mortas”. Primeiramente, isso não é totalmente verdade já que os anjos do Senhor não podem ser considerados “pessoas vivas”, mas seres espirituais. Em segundo lugar, os santos que estão no céu também são seres espirituais. Em terceiro, a Escritura dá testemunho da veneração do rei Saul ao profeta Samuel já falecido:

“Qual é o seu aspecto? É um ancião, envolto num manto. Saul compreendeu que era Samuel, e prostrou-se com o rosto por terra” (1Sm 28,14).

Mais sobre atos de veneração podem ser encontrados em Gn 23,12; Gn 33,3; Ex 18,7; 1Sm 25,41; 2Sm 9,6; 14,4.

Adorar é reconhecer a divindade e oferecer sacrifício

Deus condena a confecção de ídolos, pois o ídolo leva as pessoas a prestarem a ele o culto que só se deve a Deus: o culto de adoração. Adorar um ato de reconhecimento da divindade e oferecimento de sacrifício.

Os pagãos realmente adoravam seus ídolos, pois lhes reconheciam a divindade e lhes ofereciam sacrifício:

“Habitando os israelitas em Setim, entregaram-se à libertinagem com as filhas de Moab. Estas convidaram o povo aos sacrifícios de seus deuses, e o povo comeu e prostrou-se diante dos seus deuses” (Nm 25,1-2).

“Em vão Acaz tinha despojado o templo do Senhor, o palácio real e os príncipes para fazer presentes ao rei da Assíria. Tudo isso de nada lhe valeu. Embora estivesse angustiado, o rei Acaz continuou seus crimes contra o Senhor. Oferecia sacrifícios aos deuses de Damasco, que o tinham derrotado: São, dizia ele, os deuses dos reis da Síria que lhes vêm em auxílio; oferecer-lhes-ei, portanto, sacrifícios para que me ajudem igualmente. Mas foram a causa de sua queda e de todo o Israel” (2Cr 28,21-23).

No segundo livro dos Reis encontramos o conceito completo de idolatria por meio de sua condenação:

“O Senhor tinha feito com eles uma aliança e lhes tinha dado a seguinte ordem: Não adorareis outros deuses, nem vos prostrareis diante deles; não lhes prestareis culto, e não lhes oferecereis sacrifícios” (2Rs 17,35).

Os pagãos prostravam-se diante de seus ídolos não para reconhecerem neles instrumentos e servos de Deus de condição superior a nossa e que são capazes de interceder por nós junto a Deus, mas crendo que eram deuses verdadeiros e portanto capazes de eles mesmos realizarem milagres.

Em 2Rs 17,35 Deus apresenta a doutrina em sentido negativo. No versículo seguinte encontramos o conceito da verdadeira adoração:

“Mas temei ao Senhor que vos tirou do Egito com o poder de seu braço. A ele temereis, diante dele vos prostrareis e a ele oferecereis os vossos sacrifícios” (2Rs 17,36).

Somente a Deus devemos nos prostrar reconhecendo-lhe a divindade e oferecendo-lhe o sacrifício devido.

Os verdadeiros idólatras de nosso tempo são aqueles que oferecem sacrifício de animais (geralmente galinhas e carneiros) aos seus falsos deuses. Os protestantes não adoram a Deus, apenas o louvam. Seu culto é apenas um culto de louvor e não de adoração. Só no catolicismo se adora a Deus, pois na Santa Missa é oferecido a Deus o cordeiro imaculado que é Nosso Senhor Jesus Cristo, conforme sua própria prescrição (cf. Mt 14,22-25; Lc 22,17-20; 1Cor 11,23-29).

Estêvão, o Protomártir

Por Papa Bento XVI
Tradução: Vaticano
Fonte: Vaticano

Queridos irmãos e irmãs!

Depois do tempo das festas voltamos às nossas catequeses. Eu tinha meditado convosco sobre as figuras dos doze Apóstolos e de São Paulo. Depois começámos a reflectir sobre as outras figuras da Igreja nascente e assim hoje desejamos reflectir sobre a pessoa de Santo Estêvão, festejado pela Igreja no dia seguinte ao Natal. Santo Estêvão é o mais representativo de um grupo de sete companheiros. A tradição vê neste grupo o germe do futuro ministério dos “diáconos”, mesmo se é preciso ressaltar que não se encontra esta denominação no Livro dos Actos. A importância de Estêvão resulta contudo do facto que Lucas, neste seu livro importante, lhe dedica dois capítulos inteiros.

A narração de Lucas parte da constatação de uma subdivisão no interior da Igreja primitiva de Jerusalém; ela era, sem dúvida, totalmente composta por cristãos de origem hebraica, mas alguns deles eram originários da terra de Israel e eram chamados “hebreus”, enquanto outros de fé hebraica veterotestamentária provinham da diáspora de língua grega e eram chamados “helenistas”.

Eis o problema que se estava a delinear: os mais necessitados dos helenistas, especialmente as viúvas privadas de qualquer apoio social, corriam o risco de serem descuidadas na assistência para o sustentamento quotidiano. Para resolver esta dificuldade os Apóstolos, reservando para si a oração e o ministério da Palavra como sua tarefa principal, decidiram encarregar “sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria” para que desempenhassem a tarefa da assistência (Act 6, 2-4), ou seja, do serviço social caritativo. Para esta finalidade, como escreve Lucas, a convite dos Apóstolos os discípulos elegeram sete homens. Deles conhecemos também os nomes. Eles são: “Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócuro, Nicanor, Timão, Parmenas e Nicolau de Antioquia. Foram apresentados aos Apóstolos que, depois de orarem, lhes impuseram as mãos” (Act 6, 5-6).

O gesto da imposição das mãos pode ter vários significados. No Antigo Testamento o gesto tem sobretudo o significado de transmitir um cargo importante, como fez Moisés com Josué (cf. Nm 27, 18-23), designando assim o seu sucessor. Nesta continuidade também a Igreja de Antioquia utilizará este gesto para enviar Paulo e Barnabé em missão aos povos do mundo (cf. Act 13, 3). A uma análoga imposição sobre Timóteo, para lhe transmitir um cargo oficial, fazem referência as duas Cartas paulinas a ele dirigidas (cf. 1 Tm 4, 14; 2 Tm 1, 6). Que se tratava de uma acção importante, a ser realizada depois do discernimento, deduz-se de quanto se lê na Primeira Carta a Timóteo: “Não imponhas as mãos a ninguém precipitadamente, nem te tornes cúmplice de pecados alheios” (5, 22). Por conseguinte vemos que o gesto da imposição das mãos se desenvolve no seguimento de um sinal sacramental. No caso de Estêvão e companheiros trata-se certamente da transmissão oficial, da parte dos Apóstolos, de um cargo e ao mesmo tempo da imploração de uma graça para o exercer.

O mais importante que se deve fazer notar é que, além dos serviços caritativos, Estêvão desempenha também uma tarefa de evangelização em relação aos concidadãos, dos chamados “helenistas”; com efeito, Lucas insiste sobre o facto de que ele, “cheio de graça e de fortaleza” (Act 6, 8), apresenta em nome de Jesus uma nova interpretação de Moisés e da própria Lei de Deus, relê o Antigo Testamento à luz do anúncio da morte e da ressurreição de Jesus. Esta releitura do Antigo Testamento, releitura cristológica, provoca as reacções dos Judeus que compreendem as suas palavras como uma blasfémia (cf. Act 6, 11-14). Por esta razão ele é condenado à lapidação.

E São Lucas transmite-nos o último discurso do santo, uma síntese da sua pregação. Dado que Jesus tinha mostrado aos discípulos de Emaús que todo o Antigo Testamento fala dele, assim Santo Estêvão, seguindo o ensinamento de Jesus, lê todo o Antigo Testamento em chave cristológica.

Demonstra que o mistério da Cruz está no centro da história da salvação narrada no Antigo Testamento, mostra que Jesus, o crucificado e ressuscitado, é realmente o ponto de chegada de toda esta história. Portanto, mostra também que o culto do templo terminou e que Jesus, o ressuscitado, é o novo e verdadeiro “templo”. Precisamente este “não” ao templo e ao seu culto provoca a condenação de Santo Estêvão, o qual, neste momento diz-nos São Lucas fixando o olhar no céu viu a glória de Deus e Jesus que estava à sua direita. E vendo o céu, Deus e Jesus, Santo Estêvão disse: “Olhai… eu vejo os Céus abertos e o Filho do Homem de pé, à direita de Deus” (Act 7, 56). Segue-se o seu martírio, que de facto é modelado sobre a paixão do próprio Jesus, enquanto ele entrega ao “Senhor Jesus” o próprio espírito e reza para que o pecado dos seus algozes não lhes seja atribuído (cf. Act 7, 59-60).

O lugar do martírio de Estêvão em Jerusalém é tradicionalmente colocado um pouco fora da Porta de Damasco, a norte, onde surge agora precisamente a Igreja de Saint-Étienne ao lado da famosa École Biblique dos Dominicanos. O assassínio de Estêvão, primeiro mártir de Cristo, foi seguido por uma perseguição local contra os discípulos de Jesus (cf. Act 8, 1), a primeira que se verificou na história da Igreja. Ela constituiu a ocasião concreta que levou o grupo dos cristãos judaico-helenistas a fugir de Jerusalém e a dispersar-se. Expulsos de Jerusalém, eles transformaram-se em missionários itinerantes: “Os que tinham sido dispersos foram de aldeia em aldeia, anunciando a palavra da Boa Nova” (Act 8, 4). A perseguição e a consequente dispersão tornam-se missão. O Evangelho propagou-se assim na Samaria, na Fenícia e na Síria até à grande cidade de Antioquia, onde segundo Lucas ele foi anunciado pela primeira vez também aos pagãos (cf. Act 11, 19-20) e onde se ouviu pela primeira vez o nome de “cristãos” (Act 11, 26).

Em particular, Lucas anota que os apedrejadores de Estêvão “depuseram as capas aos pés de um jovem chamado Saulo” (Act 7, 58), o mesmo que, sendo perseguidor, se tornará apóstolo insigne do Evangelho. Isto significa que o jovem Saulo certamente ouviu a pregação de Estêvão, e portanto conhecia os conteúdos principais. E São Paulo estava provavelmente entre os que, seguindo e ouvindo este discurso, “se encheram intimamente de raiva e rangeram os dentes contra Estêvão” (Act 7, 54). A este ponto podemos ver as maravilhas da Providência divina. Saulo, adversário obstinado da visão de Estêvão, depois do encontro com Cristo ressuscitado no caminho de Damasco, retoma a leitura cristológica do Antigo Testamento feita pelo Protomártir, aprofunda-a e completa-a, e assim torna-se o “Apóstolo das Nações”. A Lei cumpre-se, como ele ensina, na cruz de Cristo. E a fé em Cristo, a comunhão com o amor de Cristo é o verdadeiro cumprimento de toda a Lei. É este o conteúdo da pregação de Paulo. Ele demonstra assim que o Deus de Abraão se torna o Deus de todos. E todos os crentes em Jesus Cristo, como filhos de Abraão, se tornam partícipes das promessas. Na missão de São Paulo cumpre-se a visão de Estêvão.

A história de Estêvão diz-nos muitas coisas. Por exemplo, ensina-nos que nunca se deve separar o compromisso social da caridade do anúncio corajoso da fé. Era um dos sete encarregados sobretudo da caridade. Mas não era possível separar caridade e anúncio. Assim, com a caridade, anuncia Cristo crucificado, até ao ponto de aceitar também o martírio. Esta é a primeira lição que podemos aprender da figura de Santo Estêvão: caridade e anúncio caminham sempre juntos.

Sobretudo, Santo Estêvão fala-nos de Cristo, do Cristo crucificado e ressuscitado como centro da história e da nossa vida. Podemos compreender que a Cruz permanece sempre central na vida da Igreja e também na nossa vida pessoal. Na história da Igreja nunca faltarão a paixão, a perseguição. E precisamente a perseguição torna-se, segundo a célebre frase de Tertuliano, fonte de missão para os novos cristãos. Cito as suas palavras: “Nós multiplicamo-nos todas as vezes que somos ceifados por vós: o sangue dos cristãos é semente” (Apologetico 50, 13: Plures efficimur quoties metimur a vobis: semen est sanguis christianorum). Mas também na nossa vida a cruz, que jamais faltará, se torna bênção. E aceitando a cruz, sabendo que ela se torna e é bênção, aprendemos a alegria do cristão também nos momentos de dificuldade. O valor do testemunho é insubstituível, porque a ela conduz o Evangelho e dela se alimenta a Igreja. Santo Estêvão ensina-nos a valorizar esta lição, ensina-nos a amar a Cruz, porque ela é o caminho pelo qual Cristo vem sempre de novo entre nós.

Pregador do Papa: é possível fazer que as crises não desgastem o matrimônio, mas que o melhorem

Comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap., sobre a liturgia do próximo domingo

ROMA, sexta-feira, 6 de outubro de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap. — pregador da Casa Pontifícia — sobre a liturgia do próximo domingo, XXVII do tempo comum.

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E os dois serão uma só carne

XVII Domingo do tempo comum (B)
Gênesis 2, 18-24; Hebreus 2, 9-11; Marcos 10, 2-16

O tema deste XXVII Domingo é o matrimônio. A primeira leitura começa com as bem conhecidas palavras: «Disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma ajuda adequada». Em nossos dias, o mal do matrimônio é a separação e o divórcio, enquanto que nos tempos de Jesus o era o repúdio. Em certo sentido, este era um mal pior, porque implicava também uma injustiça com relação à mulher, que ainda persiste, lamentavelmente, em certas culturas. O homem, de fato, tinha o direito de repudiar a própria esposa, mas a mulher não tinha o direito de repudiar seu próprio marido.

Duas opiniões se contrapunham, com relação ao repúdio, no judaísmo. Segundo uma delas, era lícito repudiar a própria mulher por qualquer motivo, ao arbítrio, portanto, do marido; segundo a outra, ao contrário, se necessitava de motivo grave, contemplado pela Lei. Um dia submeteram esta questão a Jesus, esperando que adotasse uma postura a favor de uma ou outra tese. Mas receberam uma resposta que não esperavam: «Tendo em conta a dureza de vosso coração [Moisés] escreveu para vós este preceito. Mas desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, deixará o homem seu pai e a sua mãe, e os dois serão uma só carne. De maneira que já não são dois, mas uma só carne. Pois bem, o que Deus uniu, o homem não separe».

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