Fonte: Dominus Est

São Francisco de Assis e o diabo

Certo dia, enquanto Lúcifer, o príncipe do abismo, montado sobre um dragão alado, inspecionava o mundo sublunar para julgar por si mesmo o progresso de suas conquistas, ele ficou extremamente decepcionado, voltando, com o coração pesado, para seus Estados sombrios.

– Perdemos cotidianamente, disse ele tristemente a um dos seus fiéis. Acabo de ver uma nova ordem religiosa que nos arruinará se não ficarmos atentos com ela. Chamam-nos de Franciscanos. Filhos ardentes de um pai que nos tirou muitas almas, eles são tão humildes, tão caros aos povos, tão inacessíveis para nós, que se dormirmos, esses mendicantes esfarrapados não nos deixarão um único lugar aonde possamos aparecer. Preciso então, Asmodeu, de toda tua astúcia. Esses homens, sob sua regra santa, levam uma vida apostólica. Sua regra não foi estabelecida por uma simples inspiração do alto: O próprio Deus a ditou a Francisco. E enquanto Francisco, comovido de piedade por seus sucessores, lhe perguntou de onde seres submissos às fraquezas humanas tirariam a força necessária para observar os vinte e cinco preceitos cujos ela se compõe, preceitos tão rigorosos que nenhum pode ser infringido sem pecado mortal: – Não se preocupe com isso, respondeu-lhe o Senhor. Eu me encarrego de suscitar aqueles que os guardarão.

– Mas ele não disse, interrompeu Asmodeu, que todos, sem exceção, seriam fiéis.

– Se ele o tivesse dito, retomou Lúcifer, todos os nossos esforços seriam inúteis. Vá então para a Espanha. Dirija-te para Toledo, que hoje é sua principal cidade. Lance aí as sementes da impiedade entre os homens de uma condição média, e nos corpos dos mercadores, aos quais os monges devem as esmolas que lhes possibilitam viver. Impeça que a devoção se enraíze sem seus corações. Os espanhóis guardam fortemente as impressões que eles uma vez receberam. Não te preocupes demais com os ricos. Seus desejos imoderados agirão de forma eficaz. Quanto a mim, fico em Lucques, onde trabalho para impedir esses monges de conservar um convento que eles fundaram aí. Os habitantes já estão prontos para transformar as esmolas que eles lhes concedem em injúrias e em ofensas. Vá então, e façamos de modo que essa nova nave da Igreja se choque contra os recifes ímpios e os corações rebeldes. Quando for recusado aos capuchinhos o estrito necessário, eles terão dificuldade em se defender das práticas da fraqueza humana.

Asmodeu obedeceu com alegria, e se afastou imediatamente. Não sabemos muito o que ele fez em Toledo. Mas em Lucques o príncipe do inferno logo viu que plano o ele tinha concebido começou a dar resultados. Os burgueses, cedendo às suas sugestões, ficaram surdos às orações dos bons religiosos. As esmolas pararam completamente. Certo Ludovico, o mais rico, mas também o mais ímpio dos habitantes de Lucques, se distinguiu sobretudo pela brutalidade de suas recusas. O superior não conseguiu reanimar o fervor dos fiéis. Perseguido, ameaçado, ele se viu até forçado a voltar para seu convento, cujas portas quase não podiam mais protegê-los, ele e seus monges, dos ultrajes da multidão. O governador da cidade, levado pelo ódio popular, inicialmente comprometeu os religiosos a deixarem uma região onde não se queria mais suportá-los. Logo ele tenta constrangê-los a isso. Privados de todos os recursos, esgotados pela fome que os pressionava, a coragem dos religiosos enfraqueceu, com efeito. E eles falavam de vender os vasos sagrados, de procurar em outro lugar uma terra menos inospitaleira. O superior, cuja piedosa firmeza tinha até então resistido às instâncias de seus irmãos, acabou por chancelar também. Então Lúcifer triunfou. E se acreditou prestes a atingir o objetivo que ele se propusera. Mas sua alegria não durou muito. De repente, através de uma luz radiante, ele ouve uma voz conhecida que lhe diz: