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Eis o que ensinam no curso de Eclesiologia Católica da Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, em Goicoechea, na Costa Rica

Autor: José Miguel Arráiz
Fonte: http://infocatolica.com/blog/apologeticamundo.php
Trad.: Carlos Martins Nabeto

Um leitor da Costa Rica me escreveu preocupado com o que lhe estão ensinando na sua paróquia em um curso de “Introdução à Eclesiologia”, ministrado pelo professor Luis Boschini López. Trata-se da Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, na cidade de Goicoechea, distrito de Guadalupe, província de São José de Costa Rica.

Tal como me comentou este nosso amigo, algumas das afirmações do professor deixaram diversos alunos bastante desconcertados:

1) As palavras do Evangelho ao apóstolo Pedro – “E eu, da minha parte, te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Hades não prevalecerão contra ela. A ti te darei as chaves do Reino dos Céus; e o que atares na terra será atado nos céus, e o que desatares na terra será desatado nos céus” (Mateus 16,18-19) – são um acréscimo posterior ou uma interpolação tardia do século II ou III; consequentemente, não fazem parte do texto bíblico original.

2) Pedro não foi o primero Papa; nunca esteve em Roma; e Jesus nunca lhe entregou quaisquer chaves do Reino dos Céus.

Para justificar que seu ensino é “católico”, o professor escreveu por e-mail aos seus alunos:

“Diante de um comentário que me remeteu um de vocês, pedindo mais detalhes acerca do tema de que Pedro não foi o primeiro líder da Igreja, envio-lhes o seguinte:

a) O melhor comentário atual de São Mateus, que dedica várias páginas ao texto citado, é de um professor alemão, Ulrich Luz: http://es.scribd.com/mobile/doc/208234345/Luz-Ulrich-El-Evangelio-Segun-San-Mateo-02. Sobre a citação de Mateus 16,13-20, o podem encontrar nas páginas 595 em diante.

b) Da mesma forma, anexo um escrito de Pablo Richard, chileno radicado em nosso país, sacerdote e teólogo, considerado um dos melhores biblistas do nosso país. Inclusive, deu cursos e palestras na Universidade de La Salle.

Observem que os dois documentos apontam que Pedro não foi o primeiro cabeça da Igreja e, segundo, que houve acréscimo. Estes são dois documentos sérios e de peso; porém, vocês podem pesquisar no ‘Google Scholar’, que é onde se encontram documentos de pessoas preparadas.”

Passarei agora a analisar esses argumentos.

1) Mateus 16,18-19 é uma interpolação?

O tema das interpolações na Sagrada Escritura é bem extenso; e fica ainda mais complicado porque há textos “incômodos”, que para alguns, por razões ideológicas, são difíceis de se aceitarem, razão pela qual atribuí-los a um acréscimo posterior resulta como solução fácil. Há outros textos, no entanto, para os quais há evidência certa de que foram interpolados e, por isso, foram removidos de diversas edições críticas da Bíblia.

No caso do texto em questão, não há evidências de que o mesmo foi interpolado, eis que tal como o conhecemos hoje encontra-se em TODOS os códices e versões mais antigas existentes; da mesma maneira, é citado pelos autores mais antigos da Cristandade e, por isso mesmo, o encontramos unanimemente nas traduções antigas e modernas da Bíblia, tanto católicas quanto protestantes.

A aqueles que queiram estudar mais a fundo o tema das interpolações, sugiro consultar os dois artigos que Pato Acevedo (meu colega blogueiro em Infocatólica) escreveu no seu blog:

– O lucrativo negócio das interpolações[1]

– O negócio das interpolações (Parte 2)[2]

No tocante a Mateus 16,18-19 e sua possível interpolação, sugiro ainda ler a resposta do sacerdote e teólogo Miguel Ángel Fuentes:

– São originais os versículos de Mateus 16,18-19?[3]

Em resumo: se alguém, além de razões ideológicas e meras suposições, possui uma evidência real e tangível para excluir Mateus 16,18-19 do texto bíblico, que publique o seu próprio texto crítico das Sagradas Escrituras e veja se lhe tomam a sério. Porém, enquanto não for assim, melhor agir como diz o ditado: “É melhor ficar calado”.

2) Argumento de autoridade X falácia de autoridade

Por outro lado, salta à vista que o professor, ao invés de apresentar provas, sustenta sua argumentação naquilo que ele considera “documentos de peso”, constante de um comentário bíblico do teólogo protestante de tendência liberal Ulrich Luz, e de um sacerdote católico chileno Pablo Richard, ligado à Teologia da Libertação.

A primeira coisa que me chamou a atenção é: por que um professor que compartilha cursos em uma paróquia católica considera que um comentário bíblico protestante é o melhor comentário bíblico da atualidade sobre o Evangelho de Mateus? Por que considerá-lo melhor – por exemplo – do que o “Comentário do Evangelho de Mateus”, do professor Josef Schmid, acadêmico católico de origem alemã, cuja obra editada e publicada pela Editora Herder conta com as devidas licenças eclesiásticas? Se se vai estudar a primazia de Pedro na Igreja primitiva, por que não recorrer a historiadores católicos que têm obras especializadas sobre o tema, como “O Pontificado Romano na História”, de José Orlandis, que foi catedrático de História do Direito da Universidade de Zaragoza, Decano da Faculdade de Direito Canônico e primeiro Diretor do Instituto de História da Igreja, que escreveu mais de 200 trabalhos e mais de 20 livros, e foi considerado um dos mais importantes historiadores católicos da atualidade?

Obviamente, eu poderia citar mais bibliografia católica contradizendo suas teses, já que abundantíssima, porém seria perder de vista o erro principal da argumentação: a de que a autoridade (ou “o peso”, como a chama este professor) na Igreja Católica não reside em tal ou qual comentário bíblico, mas no ensino da Igreja Católica por seu Magistério.

Com efeito, quem se auto-intitula “católico”, mesmo sendo teólogo e sacerdote, porém sustenta postulados contrários à fé – como sustentam estes autores – simplesmente já não pode ser tido como católico. Ou é tão “católico” quanto podem ser outros teólogos que infiltram suas próprias obras nas livrarias católicas, mas que nem sequer deveriam ser considerados como “cristãos”, já que negam a divinidade de Cristo, a realidade da sua ressurreição e dos seus milagres, a historicidade dos Evangelhos e tudo mais quanto sua falta de fé lhes impede crer.

Em suma: se o trunfo do professor reside no fato de haver dois acadêmicos que apoiam as suas opiniões heterodoxas, tal argumento não passa de uma falácia de autoridade, que se caracteriza pelo fato de confundir realmente onde se encontra a autoridade na Igreja, e também pelo fato de que, inclusive sob sua própria lógica, ser possível encontrar abundantíssima bibliografia católica contradizendo as suas teses.

E isso sem contar que não é sensato apresentar aos seus alunos bibliografia protestante em um curso de Eclesiologia Católica, oferecendo-lhes “gato por lebre”. É questão de bom senso que se eu vou à minha paróquia CATÓLICA para estudar Eclesiologia CATÓLICA, o mínimo que eu espero é que façam uso de uma bibliografia CATÓLICA. Portanto, o que mais devemos esperar? Que apresentem a nossas crianças as revistas [anticatólicas] da Chick Publications como suplementos infantis catequéticos?

3) Pablo Richard e sua visão “global e libertadora” do Evangelho de Mateus

Deixando agora o comentário bíblico protestante (que ao professor Luis Boschini lhe parece a “joia da coroa”), analisarei os argumentos de Pablo Richard, o qual é sim sacerdote católico. Eis aqui um extrato da sua Introdução (os negritos são meus):

– “O Evangelho de Mateus foi o evangelho mais comentado na história da Igreja; porém, ao mesmo tempo, é também o evangelho cuja interpretação é normalmente a mais dogmática e espiritualista. A força e a mensagem deste evangelho é tão grande e o projeto de Igreja que propõe é tão exigente, que nenhuma Igreja pode tolerá-lo em seu sentido literal, histórico e espiritual autênticos. A Igreja Católica, sobretudo após a reforma constantiniana e o surgimento da Cristandade ocidental (século IV), evoluiu em sentido contrário ao mais original deste evangelho. A Igreja só pode entender e interpretar um evangelho quando é capaz de vivê-lo. Quando não pode vivê-lo, ignora-o ou espiritualiza-o. A tradição sacralizou dentro do Evangelho de Mateus aquela frase de Jesus: ‘Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja’ (16,18). Esta sentença converteu-se no cânon dentro do cânon. Todo o Evangelho foi lido, a partir daqui, com um sentido dogmático, autoritário, patriarcal e hierárquico: se fez de Pedro o primeiro Papa e se institucionalizou a Igreja com um esquema totalmente alheio à tradição e ao texto do Evangelho de Mateus. Por tudo isto, é tão importante resgatar o sentido original do Evangelho, para confrontar a Igreja com a utopia de suas origens” (Pablo Richard, “O Evangelho de Mateus: uma visão libertadora”, Introdução).

Vale a pena pontualizar que este autor não afirma que o texto de Mateus 16,18 foi interpolado, mas que foi interpretado em um sentido “dogmático, autoritário, patriarcal e hierárquico”, que acabou obscurecendo o sentido original do Evangelho. Diferenciemos entre ambos os argumentos: uma coisa é dizer que o texto é falso; outra, que foi mal-interpretado.

Por outro lado, tornam-se evidentes certos preconceitos da parte do autor, que são melhor compreendidos quando se conhece o contexto de que se trata de um teólogo ligado à Teologia da Libertação. Um preconceito que se expressa em um certo farisaísmo quando se coloca ele como quem possui uma visão libertadora do Evangelho de Mateus, enquanto que ao mesmo tempo afirma que “nenhuma Igreja pode tolerá-lo em seu sentido literal, histórico e espiritual autênticos”. Atribuir a si o rótulo de espiritualidade enquanto atribui a outros o rótulo de autoritários não é um bom indício de humildade e objetividade.

Muito menos se, como ele mesmo afirma, pretende confrontar o ensino da Igreja. Quanto a isto, também é um absurdo: um professor tentando apresentar a seus alunos, como ensino da Igreja, uma fonte que reconhece que visa confrontar a Igreja.

Vamos agora para a objeção de que todo o Evangelho de Mateus foi lido a partir de Mateus 16,18-19 “com um sentido dogmático, autoritário, patriarcal e hierárquico”.

Para compreender em que sentido isto é correto e em que sentido não, devemos ir às fontes e estudar como os cristãos têm entendido esse texto ao longo da História. E o poderíamos resumir em duas perguntas:

– Ao longo da História, os cristãos entenderam o texto de Mateus 16,18 em sentido dogmático e hierárquico?

Sim.

– Ao longo da História, os cristãos entenderam o texto de Mateus 16,18 SOMENTE em sentido dogmático e hierárquico?

Não.

E é aqui onde desde suas origens a exegese católica se tem distinguido de outras exegeses posteriores, como a protestante: compreendendo que de um mesmo texto pode-se extrair muitos ensinamentos que não necessariamente são contraditórios entre si.

O Protestantismo, ao ler esse texto do Evangelho, tem alegado tradicionalmente que deve ser comprendido no contexto da conversa prévia entre Jesus e Pedro, onde o Senhor Jesus lhe pergunta quem é Ele e este lhe responde que é o Messias, o Filho do Deus vivo. Jesus, por sua vez, lhe responde que é bem-aventurado porque isto lhe foi revelado pelo próprio Pai celeste (vv.15-17). Neste ponto, o Protestantismo argumenta que todo o demais deve ser compreendido a partir desde acontecimento; e daí concluem que Pedro não se diferencia de nenhum outro cristão que professe também a sua fé em Cristo como o Messias.

Na Igreja Católica, ao contrário, se tem compreendido o texto em um contexto mais amplo, aceitando que ainda que seja certo que Pedro proclamou em alta voz a identidade de Jesus, também é certo que Jesus lhe devolveu o gesto identificando-o como a pedra sobre a qual edificaria a sua Igreja, ao mesmo tempo que confirma sua autoridade, conferindo-lhe as chaves do reino dos céus.

Não se trata pois de colocar ambas as interpretações em conflito, mas de entendê-las de uma maneira harmônica. Nem somente Pedro identificou a Jesus, nem somente Jesus identificou a Pedro, pois ocorreram AMBAS as coisas. E ambos os fatos têm relação: Pedro foi eleito como o primeiro entre os discípulos em virtude de sua fé. A fé é um dom de Deus e o serviço também o é. Deus, que concedeu a Pedro o dom da fé, também lhe concedeu o dom de servir para confirmar os seus irmãos na fé, assim como concedeu aos Apóstolos acompanhá-lo no ministério do apostolado.

É certo que os primeiros cristãos e Pais da Igreja, tanto ANTES quanto DEPOIS do reinado do imperador Constantino, entenderam esses textos em ambos os sentidos e de forma complementar. É evidente que houve, naturalmente, um desenvolvimento teológico; porém, assumir que apenas o fizeram em um sentido apenas se pode explicar ou pela ignorância ou pelo preconceito. Sugiro, quanto a isto, ler “Mateus 16,18 e os Pais da Igreja”[4]; aí encontrará uma variada recompilação de textos de diversas épocas onde os Pais da Igreja interpretam esse texto de maneira harmônica e em diferentes sentidos.

Não é pois o “aut-aut” protestante (isto OU aquilo) mas do “et-et” católico (isto E aquilo). Tampouco se trata de ser “espiritual” ou “dogmático”, assim como tampouco a autoridade exclui o serviço, como se fossem conceitos excludentes. O problema o têm aqueles que, por seu rejeição à autoridade, têm alergia ao dogma, como se os grandes Santos não tivessem aceitado e professado todas as verdades da fé e não tivessem sido também testemunhas vivas da espiritualidade cristã.

Por tudo, solicito ao professor Luis Boschini López que, por gentileza, deixe de difundir entre os seus alunos teologia liberal protestante disfarçada de eclesiologia católica; e peço também ao seu Pároco e, em última instância, ao seu Bispo, que tomem providências no assunto.

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NOTAS:
[1] Original em espanhol: http://infocatolica.com/blog/esferacruz.php/1506131048-el-lucrativo-negocio-de-las-i
[2] Original em espanhol: http://infocatolica.com/blog/esferacruz.php/1506220645-el-negocio-de-las-interpolaci
[3] Original em espanhol: http://www.teologoresponde.org/2014/03/22/son-originales-los-versiculos-de-mateo-16-18-19/
[4] Original em espanhol: http://www.apologeticacatolica.org/Primado/PrimadoN09.html

Ambiguidades e dificuldades que podem levar a posições errôneas em Cristologia: Investigação sobre as opiniões Pós-Vaticano II

Autor: Pe. Luis Antonio G. Tagle
Fonte: http://www.mercaba.org
Tradução: Carlos Martins Nabeto

O Concílio Vaticano II foi, sem dúvida, um Concílio que enfocou a identidade e a missão da Igreja. Foi dotado por um forte impulso às igrejas locais, com o fim de que empreendessem com vigor e coragem o diálogo com as culturas, com as condições humanas, com os irmãos cristãos não-católicos e com os seguidores de outros credos, além de compartilhar as esperanças e os sofrimentos de toda a Humanidade, especialmente em sua aspiração à justiça, à coparticipação e à paz.

Perseguindo tal projeto “eclesiológico”, a Igreja sentiu a necessidade de dirigir-se a Jesus Cristo. Se quer esclarecer sua identidade e missão, deve fazê-lo em referência à pessoa e à missão de Jesus, seu Senhor. Portanto, o período pós-Vaticano II foi produtivo não apenas na área da Eclesiologia, como também no da Cristologia. As diferentes situações que a Igreja teve que enfrentar na missão preparou um terreno fértil para se renovar a reflexão sobre Jesus Cristo e de seu significado para o mundo. Assim, foram abundantes, no pós-Concílio, os estudos criativos em Cristologia, porém nem sempre isentos de dificuldades e ambiguidades que podiam levar a compreensões errôneas de Jesus e de sua missão. Consequentemente, a Santa Sé e as Conferências Episcopais nacionais se sentiram no dever atentar os fiéis no que diz respeito a essas opiniões potencialmente equivocadas.

A intenção do presente estudo é pontualizar algumas dessas opiniões, evidenciadas em documentos, instruções e notificações do Santo Padre e da Congregação para a Doutrina da Fé (doravante “CDF”), além de estudos preparados pela Comissão Teológica Internacional (doravante “CTI”)[*]. Foram encontradas ambiguidades nas seguintes matérias:

a) Em algumas metodologias usadas em Cristologia;
b) Em relação à pessoa de Jesus Cristo;
c) Em relação a Jesus Cristo e a Revelação divina;
d) Sobre o significado da Redenção; e
e) Sobre a unicidade e universalidade da salvação em Jesus Cristo.

1) DIFICULDADES QUE FORAM ENCONTRADAS EM ALGUNS MÉTODOS DE CRISTOLOGIA

Um “método” revela a estrutura mental no âmbito da qual os dados são configurados e coordenados em vista de uma conclusão. Os métodos em Teologia determinam substancialmente o processo através do qual os dados da fé são tomados como objeto de reflexão sistemática. As ambiguidades nas conclusões estão muitas vezes arraigadas em algumas ambiguidades intrínsecas no método adotado. Nossas fontes identificaram algumas dessas deficiências metodológicas:

a) Um método que toma emprestado de forma acrítica os conceitos e pressuposições de ideologias como o Marxismo e os aplica à Cristologia tende a uma imagem unívoca de Cristo que dá prioridade à dimensão política, deixando em segundo plano a novidade radical do testemunho do Novo Testamento de sua pessoa e missão. O ensinamento da Igreja sobre Cristo, que nasce de sua autoridade, é também julgado como uma imposição da “classe dominante” sobre a “classe oprimida” e, portanto, frequentemente descuidada.
b) Uma Cristologia conduzida exclusivamente “a partir da base” pode levar ao reducionismo teológico. Um método puramente “experimental” acaba por ser excessivamente subjetivo, não oferecendo o lugar adequado para a verdade objetiva e normativa da Revelação em Jesus Cristo.
c) Com o objetivo e esforços para inculturar a Cristologia, alguns métodos chegaram a interpretar a pessoa do Verbo Encarnado de uma forma excessivamente metafórica. A Tradição transmitida na forma greco-latina é facilmente abandonada no momento em que os termos cristológicos clássicos (como, p.ex., “pessoa”, “natureza”, “satisfação vicária”) não mantêm o mesmo significado nas culturas contemporâneas, tal como tinham nas passadas.
d) Um tipo de investigação puramente histórica sobre Jesus levou alguns teólogos a negar um lugar na Cristologia para o testemunho bíblico da fé das primeiras comunidades cristãs. Algumas sentenças e ações de Jesus, tais como são apontadas nas Escrituras, são minimizadas quando não podem ser provadas como parte integrante da sua “biografia”. A preexistência do Verbo é considerada alheia à natureza humana de Jesus. Ao invés do testemunho da fé, domina na “reconstrução” da figura histórica de Jesus alguns supostos filosóficos e psicológicos.

Referidos problemas de metodologia – pontuados pelos documentos papais e intervenções da CDF e CTI -, têm influenciado a interpretação de temas chaves da Cristologia. Abordemos agora alguns deles.

2) AMBIGUIDADES SOBRE A PESSOA DE JESUS CRISTO

Quem é Jesus? Quem é Aquele que foi confessado como “o Cristo”? Algumas das respostas, que se baseiam sobre metodologias carentes, restam ambíguas ou infiéis à Tradição católica:

a) Uma corrente de pensamento tende a opor o “Jesus da História” ao “Cristo da Fé”, colocando em dúvida a unidade pessoal entre Jesus e o Cristo.
b) Na perspectiva libertária, a ênfase sobre a experiência revolucionária da luta dos pobres pela libertação dá preferência ao “Jesus da História” a partir do momento em que este Jesus – e não o “Jesus da Fé” – foi quem viveu a citada experiência revolucionária.
c) No enfoque exclusivamente “experimental”, tende-se a apresentar Jesus apenas como um bom homem, um profeta, uma pessoa comprometida na promoção dos outros, uma “parábola de Deus” (porém, Jesus é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, na unidade da Pessoa divina do Filho). Com efeito, a ressurreição é apresentada mais como experiência de conversão dos Apóstolos no poder do Espírito Santo do que como um fato objetivo de Jesus como Senhor glorificado e Filho de Deus.
d) Alguns ensinam que Jesus é o Cristo, mas que o Cristo é “alguém mais” que Jesus. Tal enfoque facilita a percepção da presença do Logos em outras religiões, mas desvia-se perigosamente do Novo Testamento, que concebe o Logos em relação a Jesus. Uma variante desta tendência consiste em separar a ação salvífica do Verbo como tal daquela do Verbo feito carne, atribuindo à primeira um âmbito mais amplo do que a segunda.
e) O método puramente histórico cria dúvidas sobre a divindade de Jesus Cristo, a partir do momento em que tal dogma não poderia ter surgido da revelação bíblica, mas do Helenismo. O mesmo se afirma da preexistência do Verbo, que teria origem mais em fontes míticas, helenísticas ou gnósticas do que na revelação bíblica.

3) JESUS CRISTO E A REVELAÇÃO DE DEUS

As ambiguidades relativas à pessoa de Jesus Cristo repercutem sobre a compreensão de Jesus como Revelação de Deus. Como a Revelação de Deus age em Jesus Cristo?

a) Na perspectiva libertária, a experiência fundamental de Jesus é a luta para a libertação dos pobres. O verdadeiro conhecimento de Deus e do Reino de Deus ocorrem nesta luta de libertação. A natureza “pessoal” da revelação de Deus em Jesus é minimizada considerando a ênfase libertacionista-polítca.
b) Desejosos de promover o diálogo interreligioso, alguns teólogos propõem a Teoria da Revelação Limitada, Incompleta ou Imperfeita de Jesus Cristo, que teria então a necessidade de ser complementada por aquela encontrada em outras religiões. A natureza definitiva e completa da revelação salvífica de Deus em Jesus Cristo é, desta forma, comprometida por esta posição.
c) A CDF apontou um exemplo de tentativa de inculturação que tende a substituir a revelação de Deus na pessoa de Jesus Cristo por uma intuição de Deus sem forma ou imagem. Novamente, a natureza pessoal de Deus e a Revelação são colocadas em perigo.

4) O SIGNIFICADO DA REDENÇÃO

A missão de Jesus é descrita de diversas maneiras. Uma imagem bíblica central é a da Redenção. Tem-se identificado algumas interpretações e explicações inadequadas:

a) A perspectiva libertária tende a apresentar Jesus como o símbolo que sintetiza o cumprimento da luta dos povos oprimidos. A salvação é reduzida à libertação da opressão política, social, cultura e econômica, mas colocando em segundo plano a libertação do pecado. Muitas vezes é dada à morte de Jesus uma interpretação apenas política, que ofusca seu valor para a salvação.
b) Enfoques mais existenciais e “a partir de baixo” preferem conceber a Redenção em Jesus Cristo como um processo de hominização mais do que [um processo de] divinização dos seres humanos. A noção de divinização é considerada como um conceito helenístico que faz “fugir do mundo” e negar os valores humanos, enquanto que a hominização realiza tudo aquilo que é humano. Esta tendência não rende plena justiça à realidade da divinização apresentada pelo Novo Testamento.

5) A UNICIDADE E UNIVERSALIDADE DA SALVAÇÃO EM JESUS CRISTO

Parece óbvio que esta especial instância encontre-se, na maior parte dos casos, no diálogo interreligioso. Como se deve conceber a pretensão universal e absoluta do Cristianismo no que concerne à salvação em Jesus diante das outras religiões, que apresentam suas próprias Soteriologias e suas próprias figuras de salvadores? Com o objetivo sincero de responder a esta pergunta difícil, tem-se proposto algumas teorias que podem desviar dos fundamentos essenciais da Fé Cristã.

Um bom resumo da “problemática” deste ponto já foi oferecido pelo documento “Dominus Iesus”, nº 4, que afirma: “O perene anúncio missionário da Igreja é colocado hoje em perigo por teorias relativistas, que tentam justificar o pluralismo religioso, não apenas de fato mas também de direito (ou de princípio). Consequentemente, se retêm como superadas, por exemplo, verdades como o caráter definitivo e completo da Revelação de Jesus Cristo, a natureza da fé cristã em relação à crença de outras religiões, o caráter inspirado dos livros da Sagrada Escritura, a unidade pessoal entre o Verbo eterno e Jesus de Nazaré, a unidade entre a economia do Verbo encarnado e do Espírito Santo, a unicidade e universalidade salvífica do mistério de Jesus Cristo, a mediação salvífica universal da Igreja, a inseparabilidade – mesmo na distinção – entre o Reino de Deus, o Reino de Cristo e a Igreja, a subsistência na Igreja Católica da única Igreja de Cristo”.

O âmbito da problemática é muito amplo. Tentemos enfocar melhor aqui algumas instâncias propriamente Cristológicas:

a) Nota-se a tendência de evitar as noções de “unicidade” e “universalidade”, de caráter absoluto, quando se trata da salvação em Jesus Cristo. Uma teoria preferiria atribuir um valor normativo à mediação salvífica de Jesus a partir do momento em que sua pessoa e sua vida revelam o amor de Deus da maneira mais manifesta e decisiva. Outra teoria, conhecida como “Cristologia não-Normativa”, deixaria de considerar Jesus como o único e exclusivo mediador da salvação; poderia ser um caminho para Deus, de todo adequado para os cristãos, mas não deveria ser-Lhe atribuída a pretensão de exclusividade. Ele revela o divino complementando outras figuras reveladoras e salvíficas, razão pela qual Jesus é um mestre ao lado de outros mestres (a única diferença é que Jesus seria o mais iluminado, consciente e livre).
b) Com o objetivo de harmonizar a universalidade da salvação em Cristo com a realidade do pluralismo religioso, se tem proposto a Teoria da Economia do Verbo Eterno fora da Igreja, além da Economia da Salvação do Verbo Encarnado Limitada aos Cristãos. A primeira teoria teria um valor universal maior, embora a segunda seria mais completa e total. Referido enfoque tende a dividir o Verbo de Deus do Verbo Encarnado e ainda postula duas economias distintas de salvação.
c) Outros teólogos, em acréscimo, propõem uma economia do Espírito Santo com um alcance mais universal que o do Verbo Encarnado. Porém, a Fé Cristã sustenta que a encarnação salvífica do Verbo é um evento trinitário e que a ação do Espírito Santo não se situa fora de/ou paralelamente à ação de Jesus Cristo.
A maior parte das ambiguidades que poderiam levar a posições errôneas surgem do encontro do missionário da Igreja com as culturas, com a injustiça, com as outras religiões e com correntes ideológicas relativas a humanidade e história. As dificuldades que levantam para a Fé Cristã devem ser enfrentadas com criatividade; no entanto, esta deve permanecer solidamente fiel às verdades concernentes a Jesus Cristo.

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NOTA
[*] Para a presente investigação foram usados os seguintes documentos: Paulo VI,
Evangelii nuntiandi (1974); João Paulo II, Redemptor hominis (1979), Dominum et vivificantem (1986), Redemptoris missio (1990), Ecclesia in Asia (1999); Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução sobre certos aspectos da ‘Teologia da Libertação’ (1984), Notificação acerca dos escritos do Pe. Anthony de Mello, S.J. (1998), Declaração ‘Dominus Iesus’ (2000), Notificação sobre o livro de Jacques Dupuis (2001); Comissão Teológica Internacional, Questões selecionadas sobre Cristologia (1980), Teologia, Cristologia e Antropologia (1983), A consciência de Cristo acerca de Si mesmo e de sua missão (1985), Cristianismo e religiões do mundo (1986).

Papa convida ortodoxos a superarem diferenças históricas com Roma

“Enquanto chega a plena comunhão, demos testemunho comum”

Por Inma Álvarez

ISTAMBUL, segunda-feira, 30 de novembro de 2009 (ZENIT.org).- O Papa Bento XVI pediu ao patriarca Bartolomeu I de Constantinopla que ambos, católicos e ortodoxos, possam trabalhar juntos e dar um maior testemunho comum, ainda que não se tenha alcançado a comunhão plena entre as igrejas.

Assim expressa em uma longa mensagem, enviada ao patriarca ecumênico através do presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, cardeal Walter Kasper.

O purpurado se encontra hoje em Istambul, à frente de uma delegação da Santa Sé, por ocasião da festa do apóstolo Santo André, padroeiro das igrejas orientais.

Bento XVI pede, em sua mensagem, que continuem avançando no caminho rumo à comunhão plena, “apesar das dificuldades”, superando as feridas do passado.

“Nossa crescente amizade, nosso respeito recíproco, nossa vontade de encontrar-nos e de reconhecer uns aos outros como irmãos em Cristo não deveriam ser obstaculizados por aqueles que permanecem ancorados em sua lembrança de diferenças históricas: isso os impede de abrir-se ao Espírito Santo, que guia a Igreja e que é capaz de transformar todas as fraquezas humanas em oportunidades para o bem”, afirma.

Especialmente, anima a prosseguir o diálogo iniciado na reunião da Comissão Mista Católico-Ortodoxa em Chipre do último mês de outubro, na qual se refletiu sobre o papel do bispo de Roma no primeiro milênio cristão, antes do Grande Cisma.

Este tema, admite o Papa, “é certamente complexo e requererá um estudo amplo e um diálogo paciente, se quisermos aspirar a uma integração compartilhada das tradições do Oriente e do Ocidente”.

Explica que, para a Igreja Católica, o ministério petrino é “um dom do Senhor para a sua Igreja”, que “não deve ser interpretado a partir de uma perspectiva de poder, e sim no âmbito de uma eclesiologia de comunhão, como serviço à unidade na verdade e na caridade”.

“Trata-se de buscar juntos, deixando-nos inspirar pelo modelo do primeiro milênio, as formas pelas quais o ministério do bispo de Roma possa realizar um serviço de amor reconhecido por todos”, acrescentou.

Testemunho comum

Enquanto esta comunhão plena não for alcançada, é importante, no entanto, ir mostrando diante da sociedade um maior testemunho comum, “cooperando ao serviço da humanidade”, afirma o Papa.

Católicos e ortodoxos devem colaborar “na defesa da dignidade da pessoa humana, na afirmação dos valores morais fundamentais, na promoção da justiça e da paz e em dar resposta ao sofrimento que continua atingindo nosso mundo, em particular a fome, a pobreza, o analfabetismo e nossa não equitativa distribuição dos recursos”.

Outro campo de cooperação, aponta o Papa, é a questão do meio ambiente: “Nossas igrejas podem trabalhar juntas para chamar a atenção sobre a responsabilidade da humanidade pela tutela da criação”.

Neste sentido, o Papa mostra seu apoio às iniciativas empreendidas por Bartolomeu I, especialmente à sua participação no simpósio internacional sobre “Religião, Ciência e Meio Ambiente”, dedicado ao rio Mississipi, no último mês de setembro.

A Eclesiologia Protestante

“Um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,5)

A palavra eclesiologia vem do grego eclesia (=igreja) e logia (=estudo), sendo assim eclesiologia o estudo da Igreja.

Em debate com um pastor protestante, ele me afirmara que “A Igreja Coluna da Verdade é composta por todos os salvos pelo sangue de Jesus, independente das divisões doutrinárias”.

O protestantismo prega uma Igreja invisível, que abriga várias doutrinas até mesmo contraditórias entre si; que o importante é “aceitar Jesus”. Mas será que há verdade na eclesiologia protestante?

O Santo Apóstolo Paulo nos ensina que Deus ressucitou Cristo dos Mortos “pondo-o à sua direita nos céus” (Ef 1,20) e “o constituiu como cabeça da Igreja. Que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” (Ef 1,22-23).

E como uma Igreja invisível que abriga verdades até mesmo excludentes, pode ser “corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”, o reflexo perfeito da verdade única (Jo 14,6) que é Cristo?

A Igreja ensinada pelos protestantes é falsa, formada de baixo para cima, formada por homens, e não por Cristo; invisível, sem governo e hirarquia.

E com é a Igreja verdadeira?

  1. É visível. Cristo fundou uma Igreja visível, “que não pode se esconder” e a compara a “uma cidade edificada sobre um monte” (Mt 5,14), portanto bem visível a todos. A visibilidade da Igreja não está em seus prédios, mas em seu governo, sua hierarquia.
  2. É única. A Igreja de Cristo confessa “Um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,5).
  3. É Católica. Católica quer dizer universal. Ela é universal pois está no mundo inteiro, em todas as nações, como ordenou nosso Senhor: “Portanto, ide, ensinai a todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).
  4. É Apostólica. Pois guarda a tradição dos apóstolos (At 2,42) e a sucessão regular dos bispos, dos apóstolos até os bispos atuais.
  5. É Romana. Foi necessário para o desenvolvimento do Cristianismo a transferência da sede de Jerusalém para Roma. São Pedro escreve sua primeira epístola como Bispo de Roma; o pseudônimo para Roma é Babilônia (1Pd 5,13).

Autor: Prof. Alessandro Lima
Fonte: Veritatis Splendor

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