Tag: Magno

Bento XVI e Primaz da Comunhão anglicana rezam juntos: “estímulo para todos, rumo à unidade”

Bento XVI e Primaz da Comunhão anglicana rezam juntos Cidade do Vaticano (RV) – O Papa Bento XVI e o Primaz da Comunhão Anglicana, Arcebispo Rowan Williams, rezaram juntos na tarde deste sábado, numa homenagem ao Papa São Gregório Magno, considerado o ‘pai’ da cristianização da Inglaterra, nos seculos VI-VII.

O Papa e o Arcebispo da Cantuária estiveram presentes na recitação da oração de vésperas, no mosteiro camaldulense localizado na Colina do Célio, em Roma, por ocasião dos mil anos da fundação do ermitério de Camaldoli, criado por São Romualdo, monge beneditino que deu origem a um novo ramo dessa ordem religiosa. Durante a celebração, as alocuções do Papa e o Primaz anglicano.

Bento XVI destacou a importância do mosteiro enquanto “local de nascimento de um elo entre a Igreja de Roma e o Cristianismo da Inglaterra”. Uma ligação que, segundo o Papa, começou a ser reforçada “especialmente a partir do Concílio Vaticano II” e que hoje já faz parte da “tradição” das duas Igrejas.

O Papa comentou os dois breves trechos proclamados durante a celebração. O primeiro tirado da segunda carta de S. Paulo aos Coríntios que contém a exortação do apostolo a aproveitar do momento favorável para acolher a graça de Deus. E o momento favorável, como explicou o Papa é naturalmente aquele em que Jesus Cristo veio revelar-nos e a dar-nos o amor de Deus por nós com a sua Incarnação, Paixão, Morte e Ressurreição.

Bento X VI comentou depois a segunda leitura, um breve trecho da Carta de S. Paulo aos Colossenses: as palavras que o apostolo dirige aos membros daquela comunidade para os formar segundo o Evangelho para que tudo aquilo que fazem em palavras e obras aconteça no nome do Senhor Jesus.. Sede perfeitos, dissera o Mestre aos seus discípulos; e agora o Apostolo exorta a viver segundo esta medida elevada da vida cristã que é a santidade.

Bento XVI recordou que na base de tudo está a graça de Deus, está o dom da chamada, o mistério do encontro com Jesus vivo. Mas esta graça – acrescentou – exige a resposta dos batizados: exige o empenho de revestir-se dos sentimentos de Cristo: ternura, bondade, humildade, mansidão, magnanimidade, perdão recíproco e sobretudo, como síntese e coroamento , a ágape, o amor que Deus nos dá mediante Jesus e que o Espírito Santo derramou nos nossos corações.

“Espero que a nossa presença aqui permaneça não só com um sinal de encontro fraterno, mas como um estímulo para todos os fiéis, tanto católicos como anglicanos, rumo à unidade”, sublinhou Bento XVI.

Para o primaz da Comunhão Anglicana, “é sempre bom tocar o solo onde começou a missão cristã de Inglaterra” e “honrar a história de figuras como São Gregório e Santo Agostinho”. “Temos um antepassado comum que nos dá uma relação de familiaridade e estamos trabalhando para que essa relação seja de novo plena, sacramental e visível”, salientou o responsável anglicano, que vai permanecer mais dois dias na capital italiana.

Antes da oração de vésperas, o dia foi marcado por uma audiência privada entre os dois líderes religiosos, que foi pautada pela abordagem à situação dos cristãos no Médio Oriente e pela preparação do Sínodo para a Nova Evangelização, que vai decorrer no mês de outubro, no Vaticano.

No final da oração o Papa e o arcebispo de Cantuária foram até à capela de São Gregório para acender duas velas em memória daquele que enviou Santo Agostinho da Cantuária aos anglo-saxões. (SP)

Santo Isidoro de Sevilha

Por Papa Bento XVI
Tradução: Élison Santos
Fonte: Vaticano

Queridos irmãos e irmãs:

Hoje quero falar de Santo Isidoro de Sevilha: era irmão menor de Leandro, bispo de Sevilha, e grande amigo do Papa Gregório Magno. Esta observação é importante, pois constitui um elemento cultural e espiritual indispensável para compreender a personalidade de Isidoro. Com efeito, ele deve muito a Leandro, pessoa muito exigente, estudiosa e austera, que havia criado em torno de seu irmão menor um contexto familiar caracterizado pelas exigências ascéticas próprias de um monge e pelos ritmos de trabalho exigidos por uma séria entrega ao estudo. Leandro também havia se preocupado por dispor o necessário para enfrentar a situação político-social do momento: naquela época, os visigodos, bárbaros e arianos haviam invadido a península ibérica e haviam se apossado dos territórios que pertenciam ao Império Romano. Era necessário conquistá-los para os romanos e para o catolicismo. A casa de Leandro e de Isidoro contava com uma biblioteca sumamente rica de obras clássicas, pagãs e cristãs. Isidoro, que sentia a atração tanto por umas como pelas outras, aprendeu sob a responsabilidade de seu irmão mais velho uma disciplina férrea para dedicar-se a seu estudo, com discernimento.

Na sede episcopal de Sevilha se vivia, portanto, em um clima sereno e aberto. Podemos deduzir isso a partir dos interesses culturais e espirituais de Isidoro, tal como emergem de suas próprias obras, que compreendem um conhecimento enciclopédico da cultura clássica pagã e um conhecimento profundo da cultura cristã. Desse modo se explica o ecletismo que caracteriza a produção literária de Isidoro, o qual passa com suma facilidade de Marcial a Agostinho, de Cícero a Gregório Magno. A luta interior que teve de enfrentar o jovem Isidoro, que se converteu em sucessor do irmão Leandro na cátedra episcopal de Sevilha, no ano de 599, não foi fácil. Talvez se deva a esta constante luta consigo mesmo a impressão de um excesso de voluntarismo que se percebe lendo as obras desse grande autor, considerado como o último dos padres cristãos da antiguidade. Poucos anos depois de sua morte, que aconteceu em 636, o Concílio de Toledo (653) o definiu como «ilustre mestre de nossa época, e glória da Igreja Católica».

Isidoro foi, sem dúvida, um homem de contra-posições dialéticas acentuadas. E inclusive, em sua vida pessoal, experimentou um conflito interior permanente, sumamente parecido ao que já haviam vivido São Gregório Magno e Santo Agostinho, entre o desejo de solidão, para dedicar-se unicamente à meditação da Palavra de Deus, e as exigências da caridade para com os irmãos de cuja salvação se sentia encarregado, como bispo. Por exemplo, sobre os responsáveis da Igreja, escreve: «O responsável de uma igreja (vir ecclesiasticus) por uma parte tem de deixar-se crucificar ao mundo com a mortificação da carne, e por outra, tem de aceitar a decisão da ordem eclesiástica, quando procede da vontade de Deus, de dedicar-se ao governo com humildade, ainda que não queira fazê-lo» (Livro das Sentenças III, 33, I: PL 83, col. 705 B).

E acrescenta um parágrafo depois: «Os homens de Deus (sancti viri) não desejam dedicar-se às coisas leigas e sofrem quando, por um misterioso desígnio divino, são encarregados de certas responsabilidades… Fazem todo o possível para evitá-las, mas aceitam aquilo que não quiseram e fazem o que teriam querido evitar. Entram assim no segredo do coração e lá, no fundo, procuram compreender o que lhes pede a misteriosa vontade de Deus. E quando percebem que têm de submeter-se aos desígnios de Deus, inclinam a cabeça do coração sob o jugo da decisão divina» (Livro das Sentenças III, 33, 3: PL 83, col. 705-706).

Para compreender melhor Isidoro, é necessário recordar, antes de tudo, a complexidade das situações políticas de seu tempo, que antes mencionávamos: durante os anos da infância ele teve de experimentar a amargura do exílio. Apesar disso, estava cheio de entusiasmo: experimentava a paixão de contribuir para a formação de um povo que encontrava finalmente sua unidade, tanto no âmbito político quanto no religioso, com a conversão providencial do herdeiro ao trono, o visigodo Ermenegildo, do arianismo à fé católica.

Contudo, não se pode menosprezar a enorme dificuldade que supõe enfrentar de maneira adequada os problemas sumamente graves, como os das relações com os hereges e com os judeus. Toda uma série de problemas que são ainda hoje muito concretos, se pensarmos no que acontece em algumas regiões onde parecem repropor-se situações muito parecidas às da península ibérica do século VI. A riqueza dos conhecimentos culturais de que Isidoro dispunha lhe permitia confrontar continuamente a novidade cristã com a herança clássica greco-romana. Mais que o dom precioso das sínteses, parece que tinha o dacollatio, ou seja, a recopilação, que se expressava em uma extraordinária erudição pessoal, nem sempre tão ordenada como se poderia desejar.

Em todo caso, deve-se admirar sua preocupação por não deixar de lado nada do que a experiência humana produziu na história de sua pátria e do mundo. Ele não quis perder nada do que o ser humano aprendeu nas épocas antigas, fossem experiências pagãs, judaicas ou cristãs. Portanto, não deve surpreender que, ao buscar este objetivo, não conseguisse transmitir adequadamente, como teria querido, os conhecimentos que possuía, através das águas purificadoras da fé cristã. Contudo, segundo as intenções de Isidoro, as propostas que apresenta sempre estão em sintonia com a fé católica, defendida por ele com firmeza. Ele percebe a complexidade da discussão dos problemas teológicos e propõe, com freqüência, com firmeza, soluções que recolhem e expressam a verdade cristã completa. Isso permitiu que os fiéis, através dos séculos até nossos dias, fossem ajudados com gratidão por suas definições.

Um exemplo significativo neste sentido é o ensinamento de Isidoro sobre as relações entre vida ativa e vida contemplativa. Ele escreve: «Quem procura de conseguir o descanso da contemplação tem de exercitar-se antes no estágio da vida ativa; deste modo, libertos dos resíduos do pecado, serão capazes de apresentar esse coração puro que permite ver Deus» (Diferenças II, 34, 133: PL 83, col 91A).

O realismo de autêntico pastor o convence do risco que os fiéis correm de viver uma vida reduzida a uma só dimensão. Por este motivo, acrescenta: «O caminho intermediário, composto por uma e outra forma de vida, é geralmente o mais útil para resolver essas questões, que com freqüência aumentam com a opção por um só tipo de vida; contudo, são mais moderadas por uma alternância das duas formas» (o.c., 134: ivi, col 91B).

Isidoro busca a confirmação definitiva de uma orientação adequada de vida no exemplo de Cristo e diz: «O Salvador Jesus nos ofereceu o exemplo da vida ativa, quando durante o dia se dedicava a oferecer sinais e milagres na cidade, mas mostrou a vida contemplativa quando se retirava à montanha e passava a noite dedicado à oração» (o.c. 134: ivi). À luz desse exemplo do divino Mestre, Isidoro oferece este preciso ensinamento moral: «Por este motivo, o servo de Deus, imitando Cristo, deve dedicar-se à contemplação, sem negar-se à vida ativa. Comportar-se de outra maneira não seria justo. De fato, assim como é preciso amar a Deus com a contemplação, também é preciso ao próximo com a ação. É impossível, portanto, viver sem uma nem outra forma de vida, nem é possível amar se não se faz a experiência tanto de uma como de outra» (o.c., 135; ivi, col 91C).

Considero que esta é a síntese de uma vida que busca a contemplação de Deus, o diálogo com Deus na oração e na leitura da Sagrada Escritura, assim como a ação ao serviço da comunidade humana e do próximo. Esta síntese é a lição que o grande bispo de Sevilha deixa aos cristãos de hoje, chamados a testemunhar Cristo ao início do novo milênio.

São Columbano da Irlanda

Por Papa Bento XVI
Tradução: Élison Santos
Fonte: Vaticano

Queridos irmãos e irmãs:

Hoje quero falar do santo abade Columbano, o irlandês mais famoso da Alta Idade Média: com razão pode ser chamado de santo «europeu», pois como monge, missionário e escritor trabalhou em vários países da Europa ocidental. Junto aos irlandeses de sua época, era consciente da unidade cultural da Europa. Em uma de suas cartas, escrita em torno do ano 600, dirigida ao Papa Gregório Magno, encontra-se pela primeira vez a expressão «totius Europae – de toda a Europa», em referência à presença da Igreja no continente (cf. Epistula I,1).

Columbano havia nascido em torno do ano 543 na província de Leinster, no sudeste da Irlanda. Educado em sua casa por ótimos professores, que o encaminharam no estudo das artes liberais, ele foi confiado depois à guia do abade Sinell, da comunidade de Cluain-Inis, na Irlanda do Norte, onde pôde aprofundar no estudo das Sagradas Escrituras.

Quando tinha cerca de 20 anos, entrou no mosteiro de Bangor, no nordeste da ilha, onde era abade Comgall, um monge conhecido por sua virtude e seu rigor ascético. Em plena sintonia com seu abade, Columbano praticou com zelo a severa disciplina do mosteiro, levando uma vida de oração, ascese e estudo. Lá foi ordenado sacerdote. A vida em Bangor e o exemplo de abade influíram em sua concepção do monaquismo, que Columbano amadureceu com o tempo e difundiu depois no transcurso de sua vida.

Aos 50 anos, seguindo o ideal ascético tipicamente irlandês da «peregrinatio pro Christo», ou seja, de tornar-se peregrino por Cristo, Columbano deixou a ilha para empreender com 12 companheiros uma obra missionária no continente europeu. Devemos recordar que a migração de povos do norte e do leste provocou um regresso ao paganismo de regiões inteiras que haviam sido cristianizadas.

Por volta do ano 590, esse pequeno grupo de missionários desembarcou na costa bretanha. Acolhidos com benevolência pelo rei dos francos da Austrásia (a atual França), só pediram um pedaço de terra sem cultivar. Foi-lhes entregue a antiga fortaleza romana de Annegray, em ruínas, recoberta pela vegetação. Acostumados a uma vida de máxima renúncia, os monges conseguiram levantar em poucos meses, das ruínas, o primeiro mosteiro. Desse modo, a reevangelização começou antes de tudo pelo testemunho de vida.

Com o cultivo da terra começaram também um novo cultivo das almas. A fama desses religiosos estrangeiros que, vivendo de oração e em grande austeridade, construíam casas, difundiu-se rapidamente, atraindo peregrinos e penitentes. Sobretudo muitos jovens pediam ser acolhidos na comunidade monástica para viver como eles esta vida exemplar que renovava o cultivo da terra e das almas. Logo tiveram de fundar um segundo mosteiro. Foi construído a poucos quilômetros, nas ruínas de uma antiga cidade termal, Luxeuil. O mosteiro se converteria em centro da irradiação monástica e missionária da tradição irlandesa no continente europeu. Erigiu-se um terceiro mosteiro em Fontaine, a uma hora de caminho para o norte.

Em Luxeuil, Columbano viveu durante quase 20 anos. Lá o santo escreveu para seus seguidores de Regula manochorum – durante um certo tempo mais difundida na Europa que a de São Bento –, perfilando a imagem ideal do monge. É a única antiga regra monástica irlandesa que hoje possuímos. Como complemento, redigiu a Regula coenobialis, uma espécie de código penal para as infrações dos monges, com castigos mais surpreendentes para a sensibilidade moderna, que só se podem explicar com a mentalidade daquele tempo e ambiente. Com outra obra famosa, titulada De poenitentiarum misura taxanda, que também escreveu em Luxeuil, Columbano introduziu no continente a confissão privada e reiterada com a penitência, que previa uma proporção entre a gravidade do pecado e a reparação imposta pelo confessor. Estas novidades suscitaram suspeitas entre os bispos da região, uma suspeita que se converteu em hostilidade quando Columbano teve a valentia de repreendê-los abertamente pelos costumes de alguns deles.

Este contraste, manifestou-se com as disputas sobre a data de Páscoa: a Irlanda seguia a tradição oriental, ao contrário da tradição romana. O monge irlandês foi convocado no ano 603 em Châlon-Saôn para prestar contas ante um sínodo de seus costumes sobre a penitência e a Páscoa. Em vez de apresentar-se ante o sínodo, mandou uma carta na qual minimizava a questão, convidando os padres sinodais a discutirem não só sobre o problema pequeno, «mas também sobre todas as normas canônicas necessárias que são descuidadas por muitos, o qual é mais grave» (cf. Epistula II, 1). Ao mesmo tempo, escreveu ao Papa Bonifácio IV – alguns anos antes já se havia dirigido ao Papa Gregório Magno (cf. Epistula I) – para defender a tradição irlandesa (cf. Epistula III).

Dado que era intransigente em questões morais, Columbano entrou em conflito também com a casa real, pois havia repreendido duramente o rei Teodorico por suas relações de adultério. Surgiu uma rede de intrigas e manobras no âmbito pessoal, religioso e político que, em 610, provocou um decreto de expulsão de Luxeuil de Columbano e de todos os monges de origem irlandesa, que foram condenados a um exílio definitivo. Escoltaram-nos até chegar ao mar e foram embarcados em um navio da corte rumo à Irlanda. Mas o barco encalhou a pouca distância da praia e o capitão, ao ver nisso um sinal do céu, renunciou à empresa e, por medo a ser maldito por Deus, voltou com os monges a terra firme. Estes, em vez de regressar a Luxeuil, decidiram começar uma nova obra de evangelização. Embarcaram no Rin e voltaram ao rio. Depois de uma primeira etapa em Tuggen, no lago de Zurich, eles se dirigiram à região de Bregenz, no lago de Costanza, para evangelizar os alemães.

Agora, pouco depois, Columbano, por causa de problemas políticos, decidiu atravessar os Alpes com a maior parte de seus discípulos. Só restou um monge, chamado Gallus. De seu mosteiro se desenvolveria a famosa abadia de Sankt Gallen, na Suíça. Ao chegar à Itália, Columbano foi recebido na corte imperial longobarda, mas logo teve de enfrentar grandes dificuldades: a vida da Igreja estava lacerada pela heresia ariana, ainda majoritária entre os longobardos por um cisma que havia separado a maior parte das Igrejas da Itália do Norte da comunhão com o bispo de Roma.

Columbano se integrou com autoridade neste contexto, escrevendo um lindo libelo contra o arianismo e uma carta a Bonifácio IV para convencê-lo a comprometer-se decididamente no restabelecimento da unidade (cf. Epistula V). Quando o rei dos longobardos, em 612 ou 613, entregou-lhes um terreno em Bobbio, no valle de Trebbia, Columbano fundou um novo mosteiro que logo se converteria em um centro de cultura comparável ao famoso de Montecasino. Lá ele concluiu seus dias: faleceu em 23 de novembro de 615 e nessa data é comemorado pelo rito romano até nossos dias.

A mensagem de São Columbano se concentra em um firme convite à conversão e ao desapego das coisas terrenas em vista da herança eterna. Com sua vida ascética e seu comportamento frente à corrupção dos poderosos, evoca a figura severa de São João Batista. Sua austeridade, contudo, nunca é um fim em si mesma, mas um meio para abrir-se livremente ao amor de Deus e corresponder com todo o ser aos dons recebidos d’Ele, reconstruindo em si a imagem de Deus e ao mesmo tempo trabalhando a terra e renovando a sociedade humana.

Diz em suas Instruções: «Se o homem utiliza retamente essas faculdades que Deus concedeu à sua alma, então será semelhante a Deus. Recordemos que devemos devolver-lhe todos os dons que nos confiou quando nos encontrávamos na condição originária. Ele nos ensinou o jeito de fazê-lo com seus mandamentos. O primeiro deles é o de amar o Senhor com todo o coração, pois Ele, em primeiro lugar, nos amou, desde o início dos tempos, antes ainda de que víssemos a luz deste mundo» (cf. Instructiones XI).

O santo irlandês encarnou realmente estas palavras em sua vida. Homem de grande cultura e rico de dons de graça, seja como incansável construtor de mosteiros, seja como pregador penitencial intransigente, dedicou todas as suas energias a alimentar as raízes cristãs da Europa que estava nascendo. Com sua energia espiritual, com sua fé, com seu amor a Deus e ao próximo, ele se converteu em um dos pais da Europa, e nos mostra hoje onde estão as raízes das quais a nossa Europa pode renascer.

São Leão I Magno de Roma

Por Papa Bento XVI
Tradução: Élison Santos
Fonte: Vaticano/Zenit

Queridos irmãos e irmãs:

Continuando nosso caminho entre os padres da Igreja, autênticos astros que brilham de longe, no encontro de hoje nos aproximamos da figura de um Papa que em 1754 foi proclamado doutor da Igreja por Bento XIV: trata-se de São Leão Magno. Como indica o apelativo que depois a tradição lhe atribuiu, ele foi verdadeiramente um dos maiores pontífices que honraram a Sede de Roma, oferecendo uma grande contribuição para reforçar sua autoridade e prestígio. Primeiro bispo de Roma em levar o nome de Leão, adotado depois por outros doze sumos pontífices, é também o primeiro papa do qual nos chegou a pregação, dirigida ao povo que o rodeava durante as celebrações. Vem à mente espontaneamente sua lembrança no contexto das atuais audiências gerais da quarta-feira, encontros que se converteram para o bispo de Roma em uma costumeira forma de encontro com os fiéis e com os visitantes procedentes de todas as partes do mundo.

Leão havia nascido na Tuscia. Foi diácono da Igreja de Roma em torno do ano 430, e com o tempo alcançou nela uma posição de grande importância. Este papel destacado levou, no ano 440, a Gala Placidia, que nesse momento regia o Império do Ocidente, a enviar-lhe à Gália para resolver a difícil situação. Mas no verão daquele ano, o Papa Sixto III, cujo nome está ligado aos magníficos mosaicos da Basílica de Santa Maria a Maior, faleceu e foi eleito como seu sucessor Leão, que recebeu a notícia enquanto desempenhava sua missão de paz em Gália.

Após regressar a Roma, o novo Papa foi consagrado em 29 de setembro do ano 440. Iniciava deste modo seu pontificado, que durou mais de 21 anos e que foi sem dúvida um dos mais importantes na história da Igreja. Ao morrer, em 10 de novembro do ano 461, o Papa foi sepultado junto ao túmulo de São Pedro. Suas relíquias continuam custodiadas em um dos altares da Basílica Vaticana.

O Papa Leão viveu em tempos sumamente difíceis: as repetidas invasões bárbaras, o progressivo enfraquecimento no Ocidente da autoridade imperial, e uma longa crise social haviam obrigado o bispo de Roma – como sucederia com mais clareza ainda um século e meio depois, durante o pontificado de Gregório Magno – a assumir um papel destacado inclusive nas vicissitudes civis e políticas. Isto não impediu que aumentasse a importância e o prestígio da Sé Romana. É famoso um episódio da vida de Leão. Remonta-se ao ano 452, quando o Papa em Mantua, junto a uma delegação romana, saiu ao passo de Atila, o chefe dos hunos, para convencer-lhe de que não continuasse a guerra de invasão com a qual havia devastado as regiões do nordeste da Itália. Deste modo salvou o resto da península.

Este importante acontecimento depois se tornou memorável e permanece como um sinal emblemático da ação de paz desempenhada pelo pontífice. Não foi tão positivo, infelizmente, três anos depois, o resultado de outra iniciativa do Papa, que de todos modos manifestou uma valentia que ainda hoje surpreende: na primavera do ano 455, Leão não conseguiu impedir que os vândalos de Genserico, ao chegar às portas de Roma, invadiram a cidade indefesa, que foi saqueada durante duas semanas. Contudo, o gesto do Papa, que inerme e rodeado de seu clero, saiu ao passo do invasor para pedir-lhe que se detivesse, impediu ao menos que Roma fosse incendiada e conseguiu que não fossem saqueadas as basílicas de São Pedro, de São Paulo e de São João, nas quais se refugiou parte da população aterrorizada.

Conhecemos bem a ação do Papa Leão graças a seus maravilhosos sermões – conservaram-se quase cem em um latim esplêndido e claro – e a suas cartas, cerca de 150. Nestes textos, o pontífice se apresenta em toda a sua grandeza, dedicado ao serviço da verdade na caridade, através de um exercício assíduo da palavra, como teólogo e pastor. Leão Magno, constantemente requerido por seus fiéis e pelo povo de Roma, assim como pela comunhão entre as diferentes Igrejas e por suas necessidades, apoiou e promoveu incansavelmente o primado romano, apresentando-se como um autêntico herdeiro do apóstolo Pedro: os numerosos bispos, em boa parte orientais, reunidos no Concílio de Calcedônia, demonstraram que eram sumamente conscientes disso.

Celebrado em 451, com 350 bispos participantes, este Concílio se converteu na assembléia mais importante celebrada até então na historia da Igreja. Calcedônia representa a meta segura da cristologia dos três concílios ecumênicos precedentes: o de Nicéia, do ano 325, o de Constantinopla, do ano 381 e o de Éfeso, do ano 431. Já no século VI estes quatro concílios, que resumem a fé da Igreja antiga, foram comparados aos quatro Evangelhos: e o afirma Gregório Magno em uma famosa carta (I, 24), na qual declara que se deve «acolher e venerar, como os quatro livros do Santo Evangelho, os quatro concílios», porque, como continua explicando Gregório, sobre eles «se edifica a estrutura da santa fé, como sobre uma pedra quadrada». O Concílio de Calcedônia, ao rejeitar a heresia de Eutiques, que negava a autêntica natureza humana do Filho de Deus, afirmou a união em sua única Pessoa, sem confusão nem separação, das duas naturezas, humana e divina.

Esta fé em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, era afirmada pelo Papa em um importante texto doutrinal dirigido ao bispo de Constantinopla, o assim chamado «Tomo a Flaviano», que ao ser lido em Calcedônia, foi acolhido pelos bispos presentes com uma aclamação eloqüente, registrada nas atas do Concílio: «Pedro falou pela boca de Leão», exclamaram unidos os padres conciliares. A partir daquela intervenção e de outras pronunciadas durante a controvérsia cristológica daqueles anos, torna-se evidente que o Papa experimentava com particular urgência as responsabilidades do sucessor de Pedro, cujo papel é único na Igreja, pois «a um só apostolado se confia o que a todos os apóstolos se comunica», como afirma Leão em um de seus sermões por ocasião da festa dos santos Pedro e Paulo (83,2). E o pontífice soube exercer estas responsabilidades, tanto no Ocidente como no Oriente, intervindo em diferentes circunstâncias com prudência, firmeza e lucidez, através de seus escritos e de seus legados. Mostrava deste modo como o exercício do primado romano era necessário então, como o é hoje, para servir eficazmente a comunhão, característica da única Igreja de Cristo.

Consciente do momento histórico no qual vivia e da transição que acontecia, em um período de profunda crise, da Roma pagã à cristã, Leão Magno soube estar perto do povo e dos fiéis com a ação pastoral e a pregação. Alentou a caridade em uma Roma afetada pelas carestias, pela chegada de refugiados, pelas injustiças e pela pobreza. Enfrentou as superstições pagãs e a ação dos grupos maniqueístas. Ligou a liturgia à vida cotidiana dos cristãos: por exemplo, unindo a prática do jejum com a caridade e com a esmola, sobretudo com motivo das Quattro tempora, que caracterizam no transcurso do ano a mudança das estações. Em particular, Leão Magno ensinou a seus fiéis – e suas palavras continuam sendo válidas para nós – que a liturgia cristã não é a lembrança de acontecimentos passados, mas a atualização de realidades invisíveis que atuam na vida de cada um. Ele a sublinha em um sermão (64, 1-2) falando da Páscoa, que deve ser celebrada em todo tempo do ano, «não como algo do passado, mas como um acontecimento do presente». Tudo isso se enquadra em um projeto preciso, insiste o pontífice: assim como o Criador animou com o sopro da vida racional o homem feito no barro da terra, do mesmo modo, após o pecado original, enviou seu Filho ao mundo para restituir ao homem a dignidade perdida e destruir o domínio do diabo através da nova vida da graça.

Este é o mistério cristológico ao qual São Leão Magno, com sua carta ao Concílio de Éfeso, ofereceu uma contribuição eficaz e essencial, confirmando para todos os tempos, através desse Concílio, o que disse São Pedro em Cesaréia de Filipo. Com Pedro e como Pedro confessou: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo». Por este motivo, ao ser Deus e Homem ao mesmo tempo, «não é alheio ao gênero humano, mas é alheio ao pecado» (cf. Sermão 64). Na força desta fé cristológica, foi uma grande mensagem de paz e de amor. Desta maneira nos mostra o caminho: na fé aprendemos a caridade. Aprendamos, portanto, com São Leão Magno a crer em Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, e a viver esta fé cada dia na ação pela paz e no amor ao próximo.

Primado do Papa é necessário para comunhão da Igreja, explica Bento XVI

Ao apresentar na audiência geral a figura do pontífice Leão Magno

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 5 de março de 2008 (ZENIT.org).- O primado do Papa é necessário para a comunhão da Igreja universal, declara Bento XVI.

Assim explicou hoje aos mais de 7 mil peregrinos congregados na Sala Paulo VI por ocasião da audiência geral, dedicada ao Papa São Leão Magno (falecido no ano 461), na qual continuou com a série de catequeses em que está apresentando os Padres da Igreja.

Como não cabiam na sala todos os peregrinos, o Papa saudou outros milhares de fiéis na Basílica de São Pedro do Vaticano, onde se encontram precisamente os restos mortais daquele pontífice.

Rememorando a figura do primeiro Papa que assumiu o nome de Leão, Bento XVI mostrou «como o exercício do primado romano era necessário então, como o é hoje, para servir eficazmente a comunhão, característica da única Igreja de Cristo».

E o Papa Joseph Ratzinger o mostrou evocando o ministério de seu predecessor: «Leão Magno, constantemente requerido por seus fiéis e pelo povo de Roma, assim como pela comunhão entre as diferentes Igrejas e por suas necessidades, apoiou e promoveu incansavelmente o primado romano, apresentando-se como um autêntico herdeiro do apóstolo Pedro».

«Os numerosos bispos, em boa parte orientais, reunidos no Concílio de Calcedônia, demonstraram que eram sumamente conscientes disso», continuou explicando.

Celebrado no ano 451, com 350 bispos participantes, este Concílio se converteu na assembléia mais importante celebrada até então na história da Igreja e culminou o processo dos três concílios precedentes, com o qual se formulou a natureza divina e humana da Pessoa do Filho de Deus.

O Papa enviou uma carta ao bispo de Constantinopla sobre a natureza de Jesus, que ao ser lida na assembléia, foi acolhida, segundo recordou o Papa, «pelos bispos presentes com uma aclamação eloqüente, registrada nas atas do Concílio: ‘Pedro falou pela boca de Leão’, exclamaram unidos os padres conciliares».

Naquela intervenção e em outras pronunciadas durante a controvérsia sobre a natureza de Cristo daqueles anos, «torna-se evidente que o Papa experimentava com particular urgência as responsabilidades do sucessor de Pedro».

Seu papel, declarou, «é único na Igreja». «E o pontífice soube exercer estas responsabilidades, tanto no Ocidente como no Oriente, intervindo em diferentes circunstâncias com prudência, firmeza e lucidez, através de seus escritos e de seus legados.»

Leão Magno exerceu este ministério estando perto do povo e dos fiéis «com a ação pastoral e a pregação», recordou o Papa.

Em particular, explicou, «alentou a caridade em uma Roma afetada pelas carestias, pela chegada de refugiados, pelas injustiças e pela pobreza. Enfrentou as superstições pagãs e a ação dos grupos maniqueístas».

Mas em particular, Bento XVI sublinhou uma das grandes preocupações do Papa Leão:«ligou a liturgia à vida cotidiana dos cristãos: por exemplo, unindo a prática do jejum à caridade e à esmola».

«Leão Magno ensinou a seus fiéis – e suas palavras continuam sendo válidas para nós – que a liturgia cristã não é a lembrança de acontecimentos passados, mas a atualização de realidades invisíveis que atuam na vida de cada um.»

Esta foi a conclusão da intervenção: «Aprendamos, portanto, com São Leão Magno, a crer em Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, e a viver esta fé cada dia na ação pela paz e no amor ao próximo».

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén