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Mateus

Por Papa Bento XVI
Tradução: Vaticano
Fonte: Vaticano

Queridos irmãos e irmãs!

Prosseguindo a série de retratos dos doze Apóstolos, que começámos há algumas semanas, hoje detemo-nos em Mateus. Na verdade, apresentar completamente a sua figura é quase impossível, porque as notícias que lhe dizem respeito são poucas e fragmentadas. Mas o que podemos fazer, não é tanto um esboço da sua biografia, mas ao contrário o perfil que o Evangelho transmite.

Entretanto, ele está sempre presente nos elencos dos Doze escolhidos por Jesus (cf. Mt 10, 3; Mc 3, 18; Lc 6, 15; Act 1, 13). O seu nome hebraico significa “dom de Deus”. O primeiro Evangelho canónico, que tem o seu nome, apresenta-no-lo no elenco dos Doze com uma qualificação bem clara: “o publicano” (Mt 10, 3). Desta forma ele é identificado com o homem sentado no banco dos impostos, que Jesus chama ao seu seguimento: “Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: “Segue-me!”. Ele levantou-se e seguiu-o” (Mt 9, 9). Também Marcos (cf. 2, 13-17) e Lucas (cf. 5, 27-30) narram a chamada do homem sentado no posto de cobrança, mas chamam-no “Levi”. Para imaginar o cenário descrito em Mt 9, 9 é suficiente recordar a magnífica tela de Caravaggio, conservada aqui em Roma na Igreja de São Luís dos Franceses. Dos Evangelhos sobressai um ulterior pormenor biográfico: no trecho que precede imediatamente a narração da chamada é referido um milagre realizado por Jesus em Cafarnaum (cf. Mt 9, 1-8; Mc 2, 1-12) e é mencionada a proximidade do Mar da Galileia, isto é do Lago de Tiberíades (cf. Mc 2, 13-14). Disto pode deduzir-se que Mateus desempenhasse a função de cobrador em Cafarnaúm, situada precisamente “à beira-mar” (Mt 4, 13), onde Jesus era hóspede fixo na casa de Pedro.

Com base nestas simples constatações que resultam do Evangelho podemos fazer algumas reflexões. A primeira é que Jesus acolhe no grupo dos seus íntimos um homem que, segundo as concepções em vigor na Israel daquele tempo, era considerado um público pecador. De facto, Mateus não só administrava dinheiro considerado impuro devido à sua proveniência de pessoas estranhas ao povo de Deus, mas colaborava também com uma autoridade estrangeira odiosamente ávida, cujos tributos podiam ser determinados também de modo arbitrário. Por estes motivos, mais de uma vez os Evangelhos falam unitariamente de “publicanos e pecadores” (Mt 9, 10; Lc 15, 1), de “publicanos e prostitutas” (Mt 21, 31). Além disso eles vêem nos publicanos um exemplo de mesquinhez (cf. Mt 5, 46: amam os que os amam) e mencionam um deles, Zaqueu, como “chefe dos publicanos e rico” (Lc 19, 2), enquanto a opinião popular os associava a “ladrões, injustos, adúlteros” (Lc 18, 11). É ressaltado um primeiro dado com base nestes elementos: Jesus não exclui ninguém da própria amizade. Ao contrário, precisamente porque se encontra à mesa em casa de Mateus-Levi, em resposta a quem falava de escândalo pelo facto de ele frequentar companhias pouco recomendáveis, pronuncia a importante declaração: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mc 2, 17).

O bom anúncio do Evangelho consiste precisamente nisto: na oferenda da graça de Deus ao pecador! Noutro texto, com a célebre parábola do fariseu e do publicano que foram ao Templo para rezar, Jesus indica inclusivamente um anónimo publicano como exemplo apreciável de confiança humilde na misericórdia divina: enquanto o fariseu se vangloria da própria perfeição moral, “o cobrador de impostos… nem sequer ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo: “Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador””. E Jesus comenta: “Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 18, 13-14). Na figura de Mateus, portanto, os Evangelhos propõem-nos um verdadeiro e próprio paradoxo: quem aparentemente está afastado da santidade pode até tornar-se um modelo de acolhimento da misericórdia de Deus e deixar entrever os seus maravilhosos efeitos na própria existência. Em relação a isto, São João Crisóstomo faz uma significativa anotação: ele observa que só na narração de algumas chamadas se menciona o trabalho que as pessoas em questão desempenhavam. Pedro, André, Tiago e João são chamados quando estão a pescar, Mateus precisamente quando cobra os impostos. Trata-se de trabalhos de pouca importância comenta Crisóstomo “porque não há nada mais detestável do que um cobrador de impostos e nada de mais comum do que a pesca” (In Matth. Hom.: PL 57, 363). A chamada de Jesus chega portanto também a pessoas de baixo nível social, enquanto desempenham o trabalho quotidiano.

Outra reflexão, que provém da narração evangélica, é que à chamada de Jesus, Mateus responde imediatamente: “ele levantou-se e seguiu-o”. A condensação da frase ressalta claramente a prontidão de Mateus ao responder à chamada. Isto significava para ele o abandono de todas as coisas, sobretudo do que lhe garantia uma fonte de lucro seguro, mesmo se muitas vezes injusto e desonesto. Evidentemente Mateus compreendeu que a familiaridade com Jesus não lhe permitia perseverar em actividades desaprovadas por Deus. Intuiu-se facilmente a aplicação ao presente: também hoje não é admissível o apego a coisas incompatíveis com o seguimento de Jesus, como é o caso das riquezas desonestas. Certa vez Ele disse sem meios-termos: “Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me” (Mt 19, 21). Foi precisamente isto que Mateus fez: levantou-se e seguiu-o! Neste “levantar-se” é legítimo ver o abandono de uma situação de pecado e ao mesmo tempo a adesão consciente a uma existência nova, recta, na comunhão com Jesus.

Por fim, recordamos que a tradição da Igreja antiga concorda na atribuição a Mateus da paternidade do primeiro Evangelho. Isto acontece já a partir de Papias, Bispo de Hierápoles na Frígia por volta do ano 130. Ele escreve: “Mateus reuniu as palavras (do Senhor) em língua hebraica, e cada um as interpretou como podia” (em Eusébio de Cesareia, Hist. eccl. III, 39, 16).

O historiador Eusébio acrescenta esta notícia: “Mateus, que primeiro tinha pregado aos hebreus, quando decidiu ir também a outros povos escreveu na sua língua materna o Evangelho por ele anunciado; assim, procurou substituir com a escrita, junto daqueles dos quais se separava, aquilo que eles perdiam com a sua partida” (ibid., III, 24, 6). Já não temos o Evangelho escrito por Mateus em hebraico ou em aramaico, mas no Evangelho grego que ainda continuamos a ouvir, de certa forma, a voz persuasiva do publicano Mateus que, tendo-se tornado Apóstolo, continua a anunciar-nos a misericórdia salvadora de Deus e ouvimos esta mensagem de São Mateus, meditámo-la sempre de novo para aprender também nós a levantar-nos e a seguir Jesus com determinação.

Irmãos e Irmãs de Jesus?

(Visão Católica e Ortodoxa)
Autor: rev. William G. Most
Trad.: Carlos Martins Nabeto

Mt 13, 55 e Mc 6,3 nomeiam as seguintes pessoas como irmãos de Jesus: Tiago, José (ou Josés – os manuscritos variam na forma) Simão e Judas. Mas, Mt 27, 56 diz que, junto à cruz estava Maria, a mãe de Tiago e José. Mc 15, 40 diz que ali estava Maria, a mãe de Tiago, o menor, e José. Logo, embora a prova não seja conclusiva, parece que os dois primeiros, Tiago e José, (ou Joses), – exceto se supormos que estes eram outras pessoas com os mesmíssimos nomes – eram filhos de outra mãe, e não da Mãe de Jesus.

Vemos aqui que o termo “irmão” foi usado para indicar aqueles que não eram filhos de Maria, a Mãe de Jesus. Do mesmo modo, facilmente poderia ter ocorrido o mesmo com os outros dois “irmãos“, Simão e Judas. Além disso, se Maria tivesse outros filhos e filhas naturais no tempo da crucifixão, seria estranho Jesus ter pedido a João para que cuidasse dela. Especialmente porque Tiago, o “irmão do Senhor” ainda estava vivo em 49 d.C. (cf. Gl 1, 19); certamente ele poderia ter cuidado dela… Lot, que era sobrinho de Abraão (cf. Gn 11, 27-31), é chamado de “seu irmão” em Gn 13, 8 e 14, 14-16. O termo hebraico e aramaico ah era usado para expressar vários tipos de graus de parentesco (v. Michael Sokoloff, A Dictionary of Jewish Palestinian Aramaic”, Bar Ilan University Press, Ramat-Gan, Israel, 1990, p.45). O hebraico não tem palavra para parentes. Eles poderiam dizer ben-dod para expressar filho de um tio por parte de pai, mas para outros graus de parentesco eles precisavam construir uma frase complexa, tal como “filho do irmão de sua mãe” ou “filho da irmã de sua mãe” (para consultar expressões complexas do aramaico, v. Sokoloff, pp. 111 e 139).

Objeção 1: não deveríamos usar o hebraico, já que o grego possui um termo para designar primo e outros tipos de parentes, também os Evangelhos não se utilizam de outras palavras específicas para designar os parentes de Jesus. Eles usam somente o termo grego adelphos, o que significa irmão real.

Resposta: A Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento hebraico, (cuja abreviatura padrão é LXX), usa o grego adelphos para Lot que, como vimos acima, era, na verdade, sobrinho. Além disso, os escritores dos Evangelhos e Epístolas sempre tinham em mente as palavras hebraicas, mesmo quando escreviam em grego. Isto vale principalmente para São Paulo. E, como podemos ver atualmente, há uma forte evidência de que São Lucas, em certos pontos, estava traduzindo documentos hebraicos – dois tipos de hebraico [hebraico e aramaico] – com grande cuidado. A LXX, para Mal 1, 2-3, traduz: “Eu amei Jacó e odiei Esaú”. São Paulo, em Rm 9, 13, cita exatamente da mesma forma que a tradução grega. Ainda que os tradutores da LXX conhecessem o hebraico e o grego – e assim também Paulo – utilizaram um modo muito estranho de expressão, modificando potencialmente a expressão hebraica.

Como isso aconteceu? O hebraico e o aramaico carecia dos graus de comparação (tais como: bom, melhor, o melhor; claro, mais claro, claríssimo) e, então, precisava-se encontrar outra forma de expressar as idéias. Enquanto nós poderíamos dizer: “Amo mais a um que a outro”, o hebreu diria: “Amo a um e detesto o outro”. Em Lc 14, 26, Nosso Senhor nos diz que devemos “odiar nossos pais” é óbvio, porém, que quer dizer que devemos amar mais a Cristo do que a nossos pais. De forma semelhante, em 1Cr1, 17, Paulo afirma: “Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar”; só que o próprio Paulo já havia declarado ter batizado algumas pessoas; logo, o que realmente queria dizer é: “Minha missão mais importante é pregar; batizar é menos importante”. São Paulo, em 1Tes 4, 5 diz que os gentios “não conhecem a Deus”. Ele usa o termo “conhecer” no sentido do hebraico yada, um termo amplo que significa conhecer e amar. De fato, não são raras as vezes em que podemos afirmar que certa palavra hebraica encontrava-se na mente de São Paulo, que se expressava em grego.

Todos os estudiosos admitem que o Evangelho de São Lucas possui mais semitismos que os livros escritos por outros semitas (Lucas não era semita, mas médico de origem grega). Por quê? A princípio, parece que Lucas escrevia assim para imitar o estilo da LXX, mas, em um estudo que fiz (v. meu artigo “São Lucas imitava a Septuaginta?”, publicado no Jornal [Internacional] de Estudos do Novo Testamento, jul./1982, pp.30-41, editado pela Universidade de Sheffied, Inglaterra), mostrei, estatisticamente, que Lucas não tentava imitar a Septuaginta. Eu fiz um estudo de um semitismo bem estranho em Lucas: o aditivo kai, que reflete o aditivo hebraico wau. Eis um exemplo tirado de Lc 5, 1: “E isto aconteceu quando as multidões se apertavam para ouvir dele a palavra de Deus e ele se encontrava de pé junto ao Lago [de Genesaré]”. A palavra “e”, grifada em itálico, poderia existir no hebraico, mas não no grego, nem mesmo no aramaico. Pela contagem real, São Lucas usa este “e” somente de 20 a 25% das vezes que poderia usá-lo, se estivesse imitando a Septuaginta. Certamente, não foi esta a razão de seu uso.

Então por que ele a empregou assim? Em linhas gerais, São Lucas nos diz que tomou grande cuidado, conversou com testemunhas oculares e checou relatos escritos sobre Jesus. Estes relatos escritos poderiam estar em grego (alguns judeus sabiam se comunicar em grego), hebraico ou aramaico. Logo, seria possível que São Lucas tivesse usado relatos escritos nessas linguagens. O problema não seria perceptível no grego se fossem usadas fontes gregas, é lógico; mas se ele usou, em certos momentos, documentos hebraicos, e se ele os traduziu com extremo cuidado – tão extremo a ponto de manter a estrutura hebraica no texto grego, onde não existiria – então poderíamos afirmar que foi dessa forma que ele resolveu fazer. As estranhas estruturas que encontramos – também anormais no aramaico – usadas por São Lucas em alguns pontos, mas não em outros, parecem demonstrar a existência de documentos hebraicos, traduzidos com extremo cuidado. Lucas sabia como escrever em grego culto, como demonstra certas passagens. Mas por que escreveu assim? Certamente por causa de seu extremo cuidado, para ser fiel aos textos originais que usava. Portanto, precisamos conhecer o hebraico fundamental para compreendermos a questão corretamente (o “e” é omitido nas traduções das linguagens modernas, como o inglês; o problema só é verificável quando lemos São Lucas na língua grega original).

Há uma palavra importante em Rm 5,19, que diz que “muitos” se tornaram pecadores (= pecado original). É óbvio, porém, que São Paulo se referia a “todos”. De fato, o grego usa polloi; no grego comum, sempre significa muitos, mas não todos. Entretanto, se conhecermos o hebraico que estava na mente de Paulo, tudo torna-se claro. Havia uma estranha palavra, rabbim, que aparece pela primeira vez em Is 53, na profecia da Paixão. Pelo contexto, percebemos claramente que significa todos, ainda que também signifique muitos, para ser mais exato ela significa todos dos que são muitos. Por exemplo, se eu estiver em uma sala com outras três pessoas, eu poderia dizer todos, mas não poderia dizer muitos; agora, se usarmos uma concordância grega para encontrarmos todas as citações em que São Paulo usa a palavra polloi como substantivo, veremos, pelo contexto, que sempre – sem exceção – significará todos; é o caso de Rm 5, 19. Assim, precisamos retornar ao hebraico para compreender o termo grego usado aqui por Paulo.

Em outras partes, São Paulo freqüentemente faz uso do termo grego dikaiosyne não na forma estrita utilizada pelo sentido grego, mas na forma ampla do sentido hebraico de sedaqah. Há muitos outros lugares no Novo Testamento onde devemos considerar o fundamento hebraico para obter o sentido correto do grego. Demos apenas alguns exemplos que são suficientes para mostrar como os escritores do Novo Testamento trabalharam e a necessidade de se evitar que entendamos somente o que diz o grego (que insiste que devemos ignorar o fundamento hebraico, afirmando que o grego possui palavras próprias para designar primos e outros parentes, ao contrário do hebraico).

Objeção 2: J. P. Meier, em “A Marginal Jew” (Doubleday, 1991, pp.325-326) afirma que “o novo Testamento não é uma tradução grega”; assim, o termo hebraico usado para referir-se a irmão não pode ter gerado uma “desastrosa” tradução.

Resposta: Muitos estudiosos crêem que parte ou até mesmo todos os Evangelhos são traduções gregas. A evidência citada acima, no “Jornal de Estudo do Novo Testamento” contribui para demonstrar isso. Em adição, temos evidências extensivas mostrando que, apesar dos autores não terem feito uma tradução, eles muitas vezes usavam palavras gregas com o significado do pensamento hebraico fundamental. Isto é especialmente notável em Paulo, ainda que Meier afirme que Paulo não estava fazendo uma tradução, bem como conhecia “Tiago, o irmão do Senhor”, em pessoa.

Meier também assegura (pp.327-328) que Josefo, um judeu que escreveu em grego, várias vezes utiliza a palavra correta para designar primo, mas usa a palavra irmão para indicar os “irmãos de Jesus”. Concordamos que Josefo assim se expressa. No entanto, será que Josefo possuía informação direta acerca da real natureza dos “irmãos” de Jesus? É óbvio que não. Meier também não analisa a questão sob este ponto de vista…

Objeção 3: Meier afirma (p. 323) que se quisermos que ah signifique primo, então deveríamos ler Mt 12, 50 assim: “Todo aquele que faz o desejo de meu Pai que está nos céus é meu primo, prima e mãe”. De maneira similar (p.357), ele diz que Mc 3, 35 deveria então ser lido: “Nem seus primos acreditavam nele”.

Resposta: Meier parece ser deliberadamente cego nestes pontos. Ora, se ah possui um significado amplo, poderíamos então mantê-lo na tradução, não apenas limitando-o a primo; poderia ser primo, mas também qualquer outra espécie de parente.

Objeção 4: Em Mt 1, 25, os protestantes apontam para duas palavras: até que e primogênito.

Resposta: “Até que”: muitas palavras antigas têm diversos significados possíveis. Às vezes a palavra “até que” abrange o tempo posterior ao indicado mas nem sempre isso acontece. Em Dt 34, 6, Moisés foi enterrado “e até hoje ninguém sabe onde se encontra sua sepultura”. Isto era verdade no dia em que o autor do Deuteronômio relatou o fato; e continua sendo verdade ainda hoje. No Sl. 110, 1, conforme interpretado pelo próprio Jesus, “o Senhor disse ao meu Senhor (= de Davi): ‘Senta à minha mão direita até que eu coloque os teus inimigos sob os teus pés'”. Obviamente, Jesus sempre estará à direita do Pai; logo, a palavra até que jamais significará uma mudança de estado. O Sl 72, 7, um salmo messiânico, diz que em seus dias “a paz abundará até a lua não mais existir”. Aqui novamente, o poder do Messias jamais deixará de existir ainda que a lua deixe de brilhar (Mt 24, 29). Em 2Sm 6, 23, diz-se que “Mical, esposa de Davi, não terá mais filhos até o dia de sua morte”. Logicamente, ela não os terá mesmo após sua morte! Em Mt 11,3, Nosso Senhor diz que se os milagres feitos em Cafarnaúm tivessem sido feitos em Sodoma, “ela teria durado até o presente dia”. Isso não significa que Jesus a destruiria logo a seguir. Em Mt 28, 20, Jesus promete que permanecerá com sua Igreja e seus seguidores “até o fim do mundo”. Será que deserdará depois, na eternidade? Em Rm 8, 22, São Paulo diz que toda a Criação suspira, esperando pela revelação dos filhos de Deus até os seus dias (de Paulo). Nem por isso ele irá para sua missão, mas continuará até a restauração final. Em 1Tm 4, 13, o apóstolo pede para que Timóteo se devote à leitura, exortação e ensinamento “até eu (Paulo) chegar”. Isso não quer dizer que Timóteo deveria parar de fazer tais coisas após a chegada de Paulo. E existe muitos outros exemplos, embora estas poucas citações sejam suficientes para demonstrar que a expressão “até que”, no Antigo e no Novo Testamento, significa uma mudança de coisas que está para acontecer segundo o ponto a que se refere.

Até mesmo J.P. Meier, que trabalha estressantemente para tentar provar que Jesus tinha irmãos naturais, admite que o argumento baseado na expressão “até que” nada prova (em CBQ – jan./1992, pp.9-11).

Primogênito: Jesus é assim chamado em Lc 2, 7 (e também em Mt 1, 25, se considerarmos a adição ao texto grego encontrada na Vulgata latina). Este termo se refere ao hebraico bekor, que expressa principalmente a posição privilegiada do primeiro filho com relação aos demais filhos. Não implica, porém, na existência real de outros irmãos. Podemos ler numa inscrição grega encontrada numa sepultura em Tel el Yaoudieh (cf. Biblical 11, 1930, pp.369-390) que uma mãe faleceu ao dar à luz ao seu filho: “Nas dores do parto de meu filho primogênito, o destino me trouxe o fim da vida”. No mesmo sentido, existe outro epitáfio em Leontópolis (v. “Biblical Archaeology Review,” Set.-Out./1992, p.56).

Objeção 5: Alguns escritores cristãos primitivos dizem que os irmãos do Senhor eram irmãos reais.

Resposta: Meier, que tão diligentemente coleta todos os dados que possam servir para contestar a virgindade de Maria após o nascimento de Jesus, menciona apenas quatro:

  1. Hegésipo, no séc. II – Mas Meier admite (p. 329): “…tal testemunho não está livre de problemas e possíveis auto-contradições”;
  2. Tertuliano – Contudo, Meier reconhece que isto ocorria porque queria “reforçar sua posição ao ponto de vista docético sobre a humanidade de Cristo”; tal desejo fez com que fizesse tal afirmação.De fato, Tertuliano, com a mesma predisposição, afirmou que a aparência do corpo de Cristo era horrível! (Sobre o Corpo de Cristo, cap.9) Realmente ele era um extremista, como se comprova pelo fato de que não sendo os montanistas tão severos quanto à moralidade, acabou por fundar sua própria sub-seita;
  3. Meier também sugere que duas passagens de Santo Ireneu (séc.II) podem implicar na negação da virgindade pós-parto: na primeira Ireneu faz um paralelo entre Adão e Cristo, para segurança de sua “teologia da recapitulação”; na segunda, Ireneu desenvolve o tema da nova Eva. É difícil, porém, encontrar nessas passagens qualquer dica que negue a virgindade pós-parto. O próprio Meier admite que a interpretação desses textos são improváveis;
  4. Helvídio, no séc.IV [totalmente refutado por São Jerônimo]. Estes textos, contudo, são desprezíveis se comparados com o extenso suporte patrístico que favorecem a tese da virgindade perpétua (cf. “Marian Studies,” VIII, 1956, pp. 47-93).

Por isso, em seu sumário de conclusões (pp. 331-332), Meier não faz qualquer menção a estes escritores da Igreja primitiva.

Objeção 6: Meier (p.331) diz que devemos seguir o critério do múltiplo atestado: Paulo, Marcos, João, Josefo e talvez Lucas atestam a existência dos irmãos de Jesus.

Resposta: Isto nada mais é que o retorno ao início da questão. Méier não provou que qualquer um destes “irmãos” seja, de fato, um irmão real de Jesus. Meier acrescenta que o sentido natural de irmão é o que indica irmão real, mas já vimos na segunda resposta (acima), que tal sentido não é absolutamente obrigatório. Ele também afirma que não existe outro caso claro no Novo Testamento que possa admitir outro significado, a não ser irmão real ou meio-irmão. Novamente ele acaba retornando ao início do problema pois não consegue provar que algum desses textos possa significar irmão real.

O próprio Meier reconhece (p. 331) que “todos estes argumentos em conjunto não podem produzir uma certeza absoluta”. Nós acrescentamos: em Mc 3, 20-21, os parentes de Jesus vão até ele para prendê-lo – os irmãos mais novos não poderiam tomar tal atitude na cultura semita, pois Jesus era o primogênito. E, quando Jesus contava com 12 anos ao visitar o Templo de Jerusalém, seus irmãos mais novos deveriam acompanhá-lo (exceto as irmãs), se de fato existissem, de outra forma Maria teria ficado em casa cuidando dos filhos mais novos. Vemos, assim, que não há evidências sólidas na Escritura que nos permitam supor que Nossa Senhora tenha tido outros filhos. Há, por outro lado, respostas lógicas para todas as objeções formuladas. Porém, a razão decisiva é o ensino da Igreja; os credos mais antigos chamam Maria de aeiparthenos, ou seja, “sempre Virgem“.

Meier parece querer usar um machado para cavar… Em seu longo artigo publicado na CQP (1992, pp. 1-28), ele diz, na última página, que deveríamos perguntar se a hierarquia das verdades não nos deixaria aceitar protestantes dentro da Igreja Católica sem que pedíssemos a eles para que acreditassem na virgindade perpétua de Nossa Senhora. De fato, existe uma hierarquia de verdades, algumas mais básicas que outras. Mas isso não significa, em absoluto, que possamos incentivar a negação de uma doutrina que vem sendo repetidamente ensinada pelo Magistério Ordinário, bem como pelos mais antigos credos (portanto, infalíveis). Realmente, se alguns protestantes querem aderir à Igreja sem aceitar a autoridade do Magistério, então jamais serão católicos de fato, ainda que aceitem todos os demais ensinamentos. Aceitar realmente a autoridade significa aceitar tudo, e não quase tudo.

Até mesmo Meier, tão inclinado à negação da virgindade perpétua, admite (pp.340-341) que existe uma estranha tradição rabínica que diz que Moisés, após seu primeiro contato com Deus, deixou de se relacionar sexualmente com sua esposa. Isto aparece primeiro em Filo de Alexandria e foi suportado, depois, pelos rabinos. Ora, se Moisés, em virtude de um contato externo com Deus, agiu dessa maneira, porque então não poderia ocorrer o mesmo com Nossa Senhora, que foi preenchida pela divina presença para a concepção de Jesus e carregou a própria Divindade em seu ventre durante nove meses? De fato, Lutero e Calvino, como Méier reconhece (p.319), aceitaram a doutrina da virgindade perpétua de Maria.

Por que, então, Meier luta tanto contra ela? Realmente, os protestantes, se forem lógicos, não podem apelar para provas bíblicas, a partir do momento em que nem mesmo têm como determinar quais livros são inspirados. Lutero achava que, se um livro pregasse a justificação somente pela fé, então ele era inspirado, caso contrário, não. Mas, lamentavelmente, ele nunca conseguiu provar que isso era verdade (tanto ele quanto eu poderíamos escrever livros sobre o assunto e nem por isso seriam inspirados) eis que vários livros da Bíblia não mencionam a justificação pela fé… É que, infelizmente, Lutero não sabia o que São Paulo queria dizer com a palavra fé. (sobre este assunto, consultar a obra fundamental do Protestantismo: “Interpreter’s Dictionary of the Bible”, Supplemento, p.333).

Fonte: http://www.ecclesia.com.br/

Que língua Jesus falava?

02 de abril de 2006
Francisco

Varo Nas terras onde viveu Jesus, no século I, consta que se falavam quatro línguas: arameu, hebreu, grego e latim. Destas, a língua oficial era o latim, que também era a menos usada. Era utilizada praticamente pelos funcionários romanos quando falavam entre eles, e era conhecida por algumas das pessoas mais cultas. Não é provável que Jesus tivesse estudado latim, nem que o empregasse na suas conversações ou pregações.

Quanto ao grego, não deveria surpreender que Jesus o usasse alguma vez, já que os camponeses e os artesãos da Galiléia conheciam esta língua, ou ao menos as palavras necessárias para uma transação comercial simples ou para comunicar-se com os habitantes das cidades, que na sua maioria tinham a cultura helênica. Empregava-se também na Judéia: calcula-se que, dos habitantes de Jerusalém, entre oito e quinze por cento falavam o grego. Contudo não se sabe se Jesus empregou o grego alguma vez, nem se pode deduzi-lo com certeza de algum texto, ainda que esta possibilidade não possa ser de todo rejeitada. É provável, por exemplo, que Jesus tenha falado nessa língua com Pilatos.

A língua hebréia, porém, é possível que Jesus a conhecesse e empregasse algumas vezes, dadas as repetidas referências dos Evangelhos à pregação de Jesus na sinagoga e nas suas conversas com os fariseus sobre os textos das Escrituras.

Ainda que às vezes Jesus usasse o hebreu, parece ser que na conversação e na pregação, Jesus falava normalmente em aramaico, que era a língua normal para o uso diário entre os judeus da Galiléia. Tanto é que no texto grego dos Evangelhos deixam-se em aramaico algumas palavras ou frases soltas colocadas na boca de Jesus: talitha qum (Mc 5,41), corbán (Mc 7,11), effetha (Mc 7,34), geenna (Mc 9,43), abbá (Mc 14,36), Eloí, Eloí, ¿lemá sabactháni? (Mc 15,34), ou dos seus interlocutores: rabbuni (Mc 10,51).

Os estudos lingüísticos dos Evangelhos apontam para as palavras neles recolhidas que originariamente foram pronunciadas na língua semítica: hebreu ou possivelmente em aramaico. Percebe-se a textura peculiar do grego que foi usado nos Evangelhos traduzidos de uma matriz de sintática aramaica. Mas também é possível deduzir o fato de que as palavras que os Evangelhos colocam na boca de Jesus adquirem uma força expressiva quando traduzidas ao aramaico, e no qual é possível usar palavras com uma carga semântica diferente da mesma palavra em grego, derivada do uso semítico. Em algumas ocasiões, ao traduzir os Evangelhos para uma linguagem semítica percebem-se neles alguns jogos de palavras que estão ocultos no original grego.

BIBLIOGRAFIA

Joseph A. FITZMYER, “The Languages of Palestine in the First Century A. D.”, Catholic Biblical Quartely 32 (1970) pp. 501-531; Stanley E. PORTER, “Jesus and the Use of Greek in Galilee” in Bruce CHILTON – Craig A. EVANS (ed.), Studying the Historical Jesus. Evaluation of the State of Current Research, Brill, Leiden-New York-Köln 1994, pp. 123-154; Pinchas LAPIDE, “Insights from Qumran into the Languages of Jesus”, Revue de Qumran 8, 4 (n. 32) 1975, pp. 483-501; Chaim RABIN, “Hebrew and Aramaic in the First Century” in Shemuel SAFRAI – Menahem STERN (ed.), The Jewish people in the first century: historical geography, political history, social, cultural and religious life and institutions, Van Gorcum, Assen – Amsterdam 1976, pp. 1007-1039; Francisco VARO, Rabí Jesús de Nazaret, BAC, Madrid 2005, pp. 66-70.

Fonte: Opus Dei

Avaliação médica da morte de Jesus

the-passion-of-christ

Sou um cirurgião, e dou aulas há algum tempo.

Por treze anos vivi em companhia de cadáveres e durante a minha carreira estudei anatomia a fundo. Posso portanto escrever sem presunção a respeito de morte. Jesus entrou em agonia no Getsêmani e seu suor tornou-se como gotas de sangue a escorrer pela terra.

O único evangelista que relata o fato é um médico, Lucas, e o faz com a decisão de um clínico. O suar sangue, ou “hematidrose”, é um fenômeno raríssimo. É produzido em condições excepcionais: para provocá-lo é necessário uma fraqueza física, acompanhada de um abatimento moral violento causado por uma profunda emoção, por um grande medo. O terror, o susto, a angústia terrível de sentir-se carregando todos os pecados dos homens devem ter esmagado Jesus. Tal tensão extrema produziu o rompimento das finíssimas veias capilares que estão sob as glândulas sudoríparas; o sangue se mistura ao suor e se concentra sobre a pele, e então escorre por todo o corpo até a terra.

Conhecemos a farsa do processo preparado pelo Sinédrio hebraico, o envio de Jesus a Pilatos e o desempate entre o procurador romano e Herodes. Pilatos cede, e então ordena a flagelação de Jesus. Os soldados despojam Jesus e o prendem pelo pulso a uma coluna do pátio. A flagelação se efetua com tiras de couro múltiplas sobre as quais são fixadas bolinhas de chumbo e de pequenos ossos.

Os carrascos devem ter sido dois, um de cada lado, e de diferente estatura. Golpeiam com chibatadas a pele, já alterada por milhões de microscópicas hemorragias do suor de sangue. A pele se dilacera e se rompe; o sangue espirra. A cada golpe Jesus reage em um sobressalto de dor. As forças se esvaem; um suor frio lhe impregna a fronte, a cabeça gira em uma vertigem de náusea, calafrios lhe correm ao longo das costas. Se não estivesse preso no alto pelos pulsos, cairia em uma poça de sangue.

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