Fonte: Blog do Padre Luís Fernando
1. Secularismo e relativismo como causas da perda do sentido do pecado
Na homilia do natal de 2012 o Papa Bento XVI aludiu ao problema do relativismo que corrói a moral desde dentro tocando no problema de fundo: a recusa de Deus.
Deus tem verdadeiramente um lugar no nosso pensamento? A metodologia do nosso pensamento está configurada de modo que, no fundo, Ele não deva existir. Mesmo quando parece bater à porta do nosso pensamento, temos de arranjar qualquer raciocínio para O afastar; o pensamento, para ser considerado «sério», deve ser configurado de modo que a «hipótese Deus» se torne supérflua. E também nos nossos sentimentos e vontade não há espaço para Ele. Queremo-nos a nós mesmos, queremos as coisas que se conseguem tocar, a felicidade que se pode experimentar, o sucesso dos nossos projetos pessoais e das nossas intenções. Estamos completamente «cheios» de nós mesmos, de tal modo que não resta qualquer espaço para Deus. E por isso não há espaço sequer para os outros, para as crianças, para os pobres, para os estrangeiros. Fonte aqui.
O «secularismo», que, pela sua própria natureza e definição, é um movimento de ideias e de costumes, o qual propugna um humanismo que abstrai de Deus totalmente, concentrado só no culto do empreender e do produzir e arrastado pela embriaguez do consumo e do prazer, sem preocupações com o perigo de «perder a própria alma», não pode deixar de minar o sentido do pecado.Desvanece-se este sentido do pecado na sociedade contemporânea também pelos equívocos em que se cai ao apreender certos resultados das ciências humanas. Com base nalgumas afirmações da psicologia, a preocupação de não tachar alguém como culpado nem pôr freio à liberdade leva a nunca reconhecer uma falta. Por indevida extrapolação dos critérios da ciência sociológica acaba-se — como já aludi — por descarregar sobre a sociedade todas as culpas, de que o indivíduo é declarado inocente. E uma certa antropologia cultural, por seu lado, à força de aumentar os condicionamentos e influxos ambientais e históricos, aliás inegáveis, que agem sobre o homem, limita-lhe tanto a responsabilidade que não lhe reconhece já a capacidade de fazer verdadeiros atos humanos e, por consequência, a possibilidade de pecar.
O sentido do pecado decai facilmente, ainda, sob a influência de uma ética que deriva dum certo relativismo historicista. Pode tratar-se da ética que relativiza a norma moral, negando o seu valor absoluto e incondicionado e negando, por consequência, que possam existir atos intrinsecamente ilícitos, independentemente das circunstâncias em que são realizados pelo sujeito (RP n. 18).
E dado que com o pecado o homem se recusa a submeter-se a Deus, também se transtorna o seu equilíbrio interior; e, precisamente no seu íntimo, irrompem contradições e conflitos. Assim dilacerado, o homem produz, quase inevitavelmente, uma laceração no tecido das suas relações com os outros homens e com o mundo criado. É uma lei e um fato objetivo, que têm confirmação em muitos momentos da psicologia humana e da vida espiritual, como aliás na realidade da vida social, onde é fácil observar as repercussões e os sinais da desordem interior. O mistério do pecado é formado por esta dupla ferida, que o pecador abre no seu próprio seio e na relação com o próximo (RP, n. 15)
Os homens de hoje apreciam grandemente e procuram com ardor esta liberdade; e com toda a razão. Muitas vezes, porém, fomentam-na de um modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade. A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis “deixar o homem entregue à sua própria decisão”, para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a ele. Exige, portanto, a dignidade do homem que ele proceda segundo a própria consciência e por livre decisão, ou seja movido e determinado pessoalmente desde dentro e não levado por cegos impulsos interiores ou por mera coação externa. O homem atinge esta dignidade quando, libertando-se da escravidão das paixões, tende para seu fim pela livre escolha do bem e procura a sério e com diligente iniciativa os meios convenientes. A liberdade do homem, ferida pelo pecado, só com a ajuda da graça divina pode tornar plenamente efetiva esta orientação para Deus. E cada um deve dar conta da própria vida perante o tribunal de Deus, segundo o bem ou o mal que tiver praticado (GS, n. 17)
Exclusão de Deus, ruptura com Deus, desobediência a Deus: é isto o que tem sido, ao longo de toda a história humana, e continua a ser, sob formas diversas, o pecado, que pode chegar até à negação de Deus e da sua existência: é o fenômeno chamado ateísmo. Desobediência do homem, que — com um ato da sua liberdade — não reconhece o senhorio de Deus sobre a sua vida, pelo menos naquele momento determinado em que viola a sua lei (RP, n. 14).
5. O chamado à conversão
Como escreve Santo Tomás de Aquino: “não há que desesperar da salvação de ninguém nesta vida, consideradas a onipotência e a misericórdia de Deus. Mas, diante do problema do embate de uma vontade rebelde com Deus infinitamente justo, não se pode deixar de nutrir sentimentos de salutar «temor e tremor», como sugere São Paulo; e o aviso de Jesus sobre o pecado que não é «remissível» confirma a existência de culpas que podem trazer para o pecador, como pena, a «morte eterna» (RP, n. 17).
Mãe e mestra de todos os povos, a Igreja Universal foi fundada por Jesus Cristo, a fim de que todos, vindo no seu seio e no seu amor, através dos séculos, encontrem plenitude de vida mais elevada e penhor seguro de salvação. A esta Igreja, “coluna e fundamento da verdade” (cf. 1Tm 3,15), o seu Fundador santíssimo confiou uma dupla missão: de gerar filhos, e de os educar e dirigir, orientando, com solicitude materna, a vida dos indivíduos e dos povos, cuja alta dignidade ela sempre desveladamente respeitou e defendeu. O cristianismo é, de fato, a realidade da união da terra com o céu, uma vez que assume o homem, na sua realidade concreta de espírito e matéria, inteligência e vontade, e o convida a elevar o pensamento, das condições mutáveis da vida terrena, até às alturas da vida eterna, onde gozará sem limites da plenitude da felicidade e da paz. De modo que a Santa Igreja, apesar de ter como principal missão a de santificar as almas e de as fazer participar dos bens da ordem sobrenatural, não deixa de preocupar-se ao mesmo tempo com as exigências da vida cotidiana dos homens, não só no que diz respeito ao sustento e às condições de vida, mas também no que se refere à prosperidade e à civilização em seus múltiplos aspectos, dentro do condicionalismo das várias épocas (MM, n. 1-3).
Esta nobre e sublime missão da Igreja se revela no seu zeloso amor para com todos os seus filhos gerados na fé. A estes ela “educa” no caminho da salvação, “dirige e orienta” nas verdades da fé. Por isso com carinho, segurança e firmeza de Mãe a Igreja precisa dizer aos seus filhos: Caros meus, nem tudo o que se faz é certo. Nem todas as decisões são boas. Algumas decisões vossas ofendem Nosso Senhor que, contudo, os espera de braços abertos para os acolher e redimir de seus pecados. A vida e a pregação da Igreja é, portanto, um anúncio de salvação. Um raio de sol numa manhã cinza de primavera que ainda carrega o frio do inverno. É gaudio, lufada de ar fresco nesse mundo no qual se respira o ar viciado da luxúria e da lascívia.
Siglas
RP = Exortação Apostólica Pós-Sinodal Reconciliatio et Paenitentia
GS = Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes
CIC = Catecismo da Igreja Católica
MM = Carta Encíclica Mater et Magistra