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Pregador do Papa: “A resposta cristã ao racionalismo”

Terceira meditação do Pe. Cantalamessa diante do Papa e da Cúria Romana

CIDADE DO VATICANO, domingo, 19 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – Publicamos a terceira meditação do Advento do Pe. Raniero Cantalamessa OFM cap, pregador da Casa Pontifícia, pronunciada na sexta-feira passada, diante de Bento XVI e da Cúria Romana.

* * *

Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap.

3ª Pregação do Advento

“ESTAI SEMPRE PRONTOS A DAR A RAZÃO DA VOSSA ESPERANÇA.”

(1 Pe 3,15)

A resposta cristã ao racionalismo

1. A razão usurpadora

O terceiro obstáculo que faz parte da cultura moderna, “refratária” ao Evangelho, é o racionalismo. Sobre isso falaremos nesta última meditação do Advento.

O cardeal e, agora, Beato John Henry Newman, deixou-nos um discurso memorável, proferido em 11 de dezembro de 1831, na Universidade de Oxford, intitulado The Usurpation of Raison, a usurpação ou a prevaricação da razão. Neste título já está a definição do que entendemos como racionalismo1. Numa nota explicativa a este discurso, escrita no prefácio à sua terceira edição, de 1871, o autor explica o que quer dizer com esse termo. Por usurpação da razão – diz – se entende “certo abuso generalizado dessa faculdade quando se fala de religião sem um conhecimento íntimo ou sem o respeito devido aos princípios fundamentais desta. Essa ‘razão’ é chamada ‘sabedoria do mundo’ nas Escrituras é a compreensão de religião dos que têm a mentalidade secularista e se baseiam em máximas do mundo, que lhes são intrinsecamente alheias” 2.

Em outro de seus sermões na universidade, intitulado “Fé e Razão comparadas”, Newman ilustra por que a razão não pode ser o juiz supremo em matéria de religião e de fé, com a analogia da consciência:

“Ninguém – escreve – dirá que a consciência se opõe à razão, ou que seus preceitos não podem ser apresentados em forma de argumento; no entanto, quem, a partir disso, argumentará que a consciência não é um princípio original, mas que, para atuar, precisa atender o resultado de um processo lógico-racional? A razão analisa os fundamentos e os motivos da ação, sem ser ela mesma um destes motivos. Portanto, a consciência é um elemento simples da nossa natureza e, no entanto, suas operações admitem ser justificadas pela razão, sem com isso depender realmente dela […]. Quando se diz que o Evangelho exige uma fé racional, pretende-se dizer somente que a fé concorda com a reta razão em abstrato, mas não que seja realmente seu resultado”3.

Uma segunda analogia é a da arte. “O crítico de arte – escreve – avalia o que ele mesmo não sabe criar, assim também a razão pode dar sua aprovação ao ato da fé, sem por isso ser a fonte da qual a fé emana”4.

A análise de Newman possui recursos novos e originais; destaca a tendência, imperialista, por assim dizer, da razão a submeter todo aspecto da realidade aos próprios princípios. É possível, entretanto, considerar o racionalismo ainda de um outro ponto de vista, intimamente ligado ao anterior. Para ficar na metáfora política empregada por Newman, podemos definir como atitude de isolamento, de fechar-se a essa mesma razão. Isso não consiste tanto em invadir o campo de outros, mas em não reconhecer a existência de outro campo fora do seu próprio. Em outras palavras, na negação de que possa haver verdade fora da que passa através da razão humana.

Desse modo,o racionalismo não nasceu com o iluminismo. É uma tendência contra a qual a fé sempre teve de lidar. Não só a fé cristã, mas também a hebraica e a islâmica, pelo menos na IdadeMédia, conheceram esse desafio.

Contra essa afirmação de absolutismo da razão, levantose em cada época a voz não só de homens de fé, mas também de militantes no campo da razão, filosofia e ciência. “O ato supremo da razão, escreveu Pascal, está em reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a sobrepassam.”5 No mesmo instante em que a razão reconhece seu limite, ela o rompe e o supera. É por obra da razão que se produz este reconhecimento que é, por isso, um ato puramente racional. Essa é, literalmente, uma “douta ignorância”6. Um ignorar “com conhecimento de causa”, sabendo que se está ignorando.

Devemos, portanto, dizer que estabelece um limite para a razão e a humilha aquele que não reconhece nela esta capacidade de transcender-se. “Até agora, escreveu Kierkegaard, sempre se falou assim: ‘Dizer que não se pode entender esta coisa ou aquela não satisfaz a ciência que deseja conhecer’. Esse é o erro. É preciso dizer exatamente o oposto: onde a ciência humana não quer reconhecer que há algo que ela não pode compreender ou – ainda mais preciso – qualquer coisa que da qual a ciência, pode entender com clareza ‘que não pode entender’, então tudo estará desordenado. É, portanto, uma tarefa do conhecimento humano compreender que existem essas coisas e quais são essas coisas que ela não pode compreender.”7

2. Fé e sentido do sagrado

Espera-se que este tipo de desafio mútuo entre fé e razão continue no futuro. É inevitável que cada época refaça o o caminho por conta própria, mas nem os racionalistas converterão as pessoas de fé e nem serão convertidos por elas. É preciso encontrar uma maneira de romper com esse círculo e liberar a fé desse gargalo. Em todo esse debate sobre a razão e a fé, é a razão que impõe sua escolha e força a fé, por assim dizer, a jogar fora de casa e na defensiva.

Disso, o cardeal Newman estava bem consciente, e, em outro de seus discursos universitários, adverte contra o risco da mundanização da fé em seu desejo de correr atrás da razão. Ele dizia entender, embora sem poder aceitar plenamente, as razões dos que são tentados a separar completamente a fé da investigação racional, por causa do “antagonismo e das divisões fomentadas da argumentação e debates, a confiança orgulhosa que geralmente acompanha o estudo das provas apologéticas, a frieza, o formalismo, o espírito secularista e carnal, enquanto a Escritura fala da religião como de uma vida divina, radicada no afeto e manifestada na graça espiritual”8.

Em todo trabalho de Newman sobre a relação entre razão e fé, então não menos debatida que hoje, há uma ressalva: não é possível combater um racionalismo com outro, talvez contrário. É necessário encontrar outro caminho que não pretenda substituir a da defesa racional da fé, mas, que, pelo menos, a acompanhe, ainda porque os destinatários do anúncio cristão não são os intelectuais, capazes de envolver-se nesse tipo de confronto, mas a massa de pessoas comuns indiferente a isso e mais sensível a outros argumentos.

Pascal propunha o caminho do coração: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”9; os românticos (Schleiermacher, por exemplo) propunham o do sentimento. Ainda existe, penso, um caminho a percorrer: a da experiência e do testemunho. Não pretendo aqui falar da experiência pessoal, subjetiva, da fé, mas de uma experiência universal e objetiva que podemos, por isso, fazer valer mesmo no confronto com pessoas alheias à fé. Ela não nos leva à fé plena e salvadora, a fé em Jesus Cristo morto e ressuscitado, mas pode ajudar a criar nessas pessoas a base que é a abertura ao mistério, a percepção de algo que está acima do mundo e da razão.

A contribuição mais notável que a moderna fenomenologia da religião ofereceu à fé, principalmente na forma que ela toma na clássica obra de Rudolph Otto, “O Sagrado”10, é ter demonstrado que a afirmação tradicional que de existe algo que não se explica com a razão, não é um pressuposto teórico ou de fé, mas um dado primordial de experiência.

Existe um sentimento que acompanha a humanidade desde seus primórdios até o presente em todas as religiões e culturas: o autor o chama de o sentimento do numinoso. (No intuito de elucidar as características irracionais peculiares do sagrado, o autor cria o neologismo numinoso, derivado do termo latino numen, que significa deidade ou influxo divino. Explica ele que o elemento numinoso pode ser identificado como um princípio ativo presente na totalidade das religiões, portador da ideia do bem absoluto. Quando se refere ao numinoso, esclarece que é “uma categoria especial de interpretação e de avaliação e, da mesma maneira, de um estado de alma numinoso que se manifesta quando esta categoria se aplica, isto é, sempre que um objeto se concebe como numinoso”, N. da T.) 11. Esse é um dado primário, irredutível a qualquer outro sentimento ou experiência humana; toma o homem como uma emoção quando, por qualquer circunstância externa ou interna a ele, se encontra diante da revelação do mistério “tremendo e fascinante” do sobrenatural.

Otto designa o objeto desta experiência com o adjetivo “irracional” (o subtítulo da obra é “Sobre o Irracional na Ideia do Divino e sua Relação com o Irracional”); mas toda a obra demonstra que o sentido que ele dá ao termo “irracional” não é o de “contrário à razão”, mas o de “além da razão”, de não traduzível em termos racionais. O numinoso se manifesta em graus diferentes de pureza: do estado mais bruto, que é a reação mais inquietante suscitada pelas histórias de espíritos e fantasmas, ao estado mais puro, que é a manifestação da santidade de Deus – o Qadosh bíblico – como na célebre cena da vocação de Isaías (Is. 6, 1ss).

Se é assim, a evangelização do mundo secularizado passa também pela recuperação do sentido do sagrado. O terreno de cultura do racionalismo – sua causa e, ao mesmo tempo, seu efeito – é a perda do sentido do sagrado. É necessário, por isso, que a Igreja ajude os homens a subir a montanha e redescobrir a presença e a beleza do sagrado no mundo. Charles Péguy disse que “a assustadora penúria do sagrado é a marca profunda do mundo moderno”. Isso é evidente em cada aspecto da vida, mas especialmente na literatura e na linguagem de todos os dias. Para muitos autores, ser definido como “dessacralizado” não é mais uma ofensa, mas um elogio.

A Bíblia foi acusada por vezes de ter “dessacralizado” o mundo por ter perseguido ninfas e divindades das montanhas, dos mares e dos bosques e ter feito destas simples criaturas a serviço do homem. Isso é verdade, mas foi justamente despojando-lhes desse falso pretexto de divindade que a Escritura pôde restituir-lhes sua genuína natureza de “sinal” do divino. A Bíblia combate a idolatria das criaturas, não sua sacralidade.

Assim, “secularizado”, o criado tem agora mais poder de provocar a experiência do numinos e do divino. De uma experiência desse gênero carrega o sinal, em minha opinião, a célebre declaração de Kant, o representante mais ilustre do racionalismo filosófico:

“Duas coisas enchem o coração de admiração e veneração, sempre novas e sempre crescentes, à medida que a reflexão se dirige e se consagra a elas: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim (…) o primeiro espetáculo, de uma inumerável multidão de mundos, aniquila, por assim dizer, a minha importância, por ser eu uma criatura animal que deve voltar à matéria de que é formado o planeta (um simples ponto no Universo) depois de (não se sabe como) ter sido dotada de força vital durante curto espaço de tempo. O segundo espetáculo, ao contrário, eleva infinitamente o meu valor, como o de uma inteligência por minha personalidade, na qual a lei moral me manifesta uma vida independente da animalidade e até mesmo de todo o mundo sensível (1994, p.102).”12

Um cientista vivo, Francis Collins, há pouco nomeado acadêmico pontifício, em seu livro “A Linguagem de Deus”, descreve assim o momento de sua volta à fé: “Numa bela manhã de outono, enquanto, pela primeira vez, passeando pela montanha, fui empurrado para o oeste do Mississipi, a majestosidade e beleza da criação venceram minha resistência. Entendi que a busca tinha chegado ao fim. Na manhã seguinte, quando o sol surgiu, ajoelhei-me sobre na grama molhada e me rendi a Jesus Cristo.”13

As mesmas descobertas maravilhosas da ciência e da tecnologia, ao invés de levarem ao desencantamento, podem chegar a ser ocasiões de admiração e de experiência do divino. O momento final da descoberta do genoma humano é descrito pelo próprio Francis Collins, que foi o chefe da equipe que chegou a tal descoberta, “uma experiência de exaltação científica e ao mesmo tempo de adoração religiosa”. Entre as maravilhas da criação, nada é mais maravilhoso que o homem e, no homem, sua inteligência criada por Deus.

A ciência se desespera agora para tocar um limite extremo na exploração do infinitamente grandioso que é o universo e na exploração do infinitamente pequeno que são as partículas sub-atômicas. Alguns fazem desta “desproporção” um argumento a favor da inexistência de um Criador e da insignificância do homem. Para os crentes, esses são o sinal por excelência não só da existência, mas também dos atributos de Deus: a vastidão do universo é sinal de sua infinita grandeza e transcendência; a pequenez do átomo, da sua imanência e da humildade da sua encarnação, que o levou a fazer-se criança no seio de uma mãe e minúsculo pedaço de pão nas mãos do sacerdote.

Mesmo na vida humana, não faltam ocasiões nas quais é possível fazer a experiência de uma “outra” dimensão: a paixão, o nascimento do primeiro filho, uma grande alegria. É preciso ajudar as pessoas a abrir os olhos e reencontrar a capacidade de surpreender-se. “Quem se surpreende, reinará”, afirma um ditado atribuído a Jesus fora dos Evangelhos14. No romance “Os Irmãos Karamazov”, Dostoiévski refere as palavras que o starets Zózimo, ainda um oficial do exército, fala aos presentes, no momento em que, tocado pela graça, renuncia a duelar com o adversário: “Senhores, olhai em volta os dons de Deus: este céu límpido, este ar puro, essa grama terna, estes passarinhos; a natureza é tão bela e inocente, enquanto nós, só nós, estamos longe de Deus e somos estúpidos e não compreendemos que a vida é um paraíso, uma vez que seria suficiente que quiséssemos compreender e, imediatamente aquilo se instauraria com toda sua beleza e nós nos abraçaríamos e romperíamos em lágrimas”15. Este é o verdadeiro sentido da sacralidade do mundo e da vida!

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Como cair no recurso ao estereótipo sem dar conta

A homilia de Raniero Cantalamessa na Sexta-Feira Santa (2 de Abril) provocou aquilo que ela própria queria evitar: violência. Verbal, mas violência.

No Domingo, o “Diário de Notícias” titulava “Críticas judaicas abrem nova crise para o Vaticano” (4 de Abril). E o “Público”: “Rabis e vítimas indignadas com comparação ao anti-semitismo”. Na entrada, este último (texto de Ana Fonseca Pereira) afirma: “Padre Cantalamessa equiparou ataques à Igreja com perseguição aos judeus. Polémica adensa uma crise que ensombra esta Páscoa”.

Comparou mesmo? Talvez. Mas quem fez primeiro a comparação foi um judeu.

Se eu me sentisse perseguido, como muitos responsáveis da Igreja se dizem sentir, e se tivesse recebido um carta de alguém que pertence a um povo que foi a maior vítima do século XX, julgo que a usaria, como fez Cantalamessa. Não reivindicaria para mim tal estatuto de vítima – nem ele o fez. O Holocausto, o cúmulo do anti-semitismo, foi algo inominável e não é invocável para autodefesa por quem nele não participou. Mas se um elemento do povo judeu adverte para mecanismos semelhantes aos do anti-semitismo, de “recurso ao estereótipo” e de “passagem da responsabilidade pessoal para a colectividade”, nos tempos de hoje, em relação à Igreja, não poderei eu usar essas palavras?

O melhor é ler que o pregador do Papa disse (versão brasileira da Zenit, aqui):

«Por uma rara coincidência, neste ano nossa Páscoa cai na mesma semana da Páscoa judaica, que é a matriz na qual esta se constituiu. Isso nos estimula a voltar nosso pensamento aos nossos irmãos judeus. Estes sabem por experiência própria o que significa ser vítima da violência coletiva e também estão aptos a reconhecer os sintomas recorrentes. Recebi nestes dias uma carta de um amigo judeu e, com sua permissão, compartilho um trecho convosco. Dizia:

“Tenho acompanhado com desgosto o ataque violento e concêntrico contra a Igreja, o Papa e todos os féis do mundo inteiro. O recurso ao estereótipo, a passagem da responsabilidade pessoal para a coletividade me lembram os aspectos mais vergonhosos do anti-semitismo. Desejo, portanto, expressar à ti pessoalmente, ao Papa e à toda Igreja minha solidariedade de judeu do diálogo e de todos aqueles que no mundo hebraico (e são muitos) compartilham destes sentimentos de fraternidade. A nossa Páscoa e a vossa têm indubitáveis elementos de alteridade, mas ambas vivem na esperança messiânica que seguramente reunirá no amor do Pai comum. Felicidades a ti e a todos os católicos e Boa Páscoa”».

A citação no final de um belíssimo texto contra a violência (de como com a morte de Jesus se ultrapassa a violência que á alma de um certo tipo de sagrado) transformou-se em mais um episódio de violência mediática. Chamou-se “obsceno”, “inapropriado” e “moralmente errado” ao sermão de Cantalamessa (via “Público”), quando as palavras são de um judeu. Foi imprudente Cantalamessa? Dizer que sim é admitir que a pressão mediática nos priva de liberdade.

A reacção ao sermão por parte de judeus e de vítimas de abusos, apesar de o porta-voz do Vaticano ter vindo dizer que havia palavras que podiam ser mal interpretadas, revela que a violência verbal está latente na nossa sociedade. Como já nem se olha aos factos e aos contextos, como já não se distingue e muito se confunde, começo a pensar que a Igreja está mesmo a ser perseguida (mas nada desculpa os abusos). Ou pelo menos é um alvo fácil para quem quer fazer pontaria.

Fonte: Tribo de Jacob

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Padre Cantalamessa: Os sacerdotes, servos e amigos de Jesus, não funcionários

Primeira meditação do Advento pelo Pregador do Papa

Por Mirko Testa

ROMA, sexta-feira, 4 de dezembro de 2009 (ZENIT.org). – Os sacerdotes devem cultivar uma amizade tão íntima com Cristo a ponto de ser quase capazes de fazer as pessoas se sentirem tocadas pela mão de Deus. É o que disse, em síntese, o Pregador da Casa Pontifícia, padre Raniero Cantalamessa, na primeira de suas meditações sobre o Advento, na presença do Papa Bento XVI e de membros da Cúria Romana, na capela Redemptoris Mater do Palácio Apostólico.

O frade capuchinho escolheu refletir, como preparação para o Natal, sobre a natureza e a missão do sacerdócio, partindo dos dois textos do Novo Testamento mais pertinentes para o tema: “Que as pessoas nos considerem como ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1 Coríntios 4, 1) e “Cada sumo sacerdote, escolhido entre os homens, é constituído para o bem dos homens como mediador nas coisas que dizem respeito a Deus” (Hebreus 5, 1).

Em seu sermão, padre Cantalamessa disse que o sacerdote deve ser, acima de tudo, um continuador da obra de Cristo no mundo e, portanto,  “dar testemunho da verdade, fazendo brilhar sua luz”, entendendo-se por verdade “o conhecimento  da realidade divina” e assim  da “esperança de Deus”.

A tarefa da igreja e dos sacerdotes consiste em permitir que “as pessoas tenham um contato íntimo e pessoal com a realidade de Deus, por meio do Espírito Santo”, de modo a torná-lo presente ao “dar forma visível à sua presença invisível”.

Nesse sentido, explicou, “cada sacerdote deve ser um místico, ou ao menos um mistagogo, capaz de introduzir as pessoas no Mistério de Deus e de Cristo como se as conduzisse pela mão”.

Ao mesmo tempo , o sacerdote convidou a cultivar a “simpatia, o senso de solidariedade, a compaixão”, “nunca julgando, mas salvando”.

Ademais, continuou Cantalamessa, o sacerdote não deve ser apenas servo de Jesus, mas deve estar com Ele, inclusive em “seus pensamentos, propósitos e espírito”.

Este é o testemunho do próprio Jesus, quando disse “Eu já não os chamo mais de servos, porque um servo não sabe aonde vai seu senhor; os chamo de amigos, porque lhes dei a conhecer tudo o que aprendi de meu Pai”.

Padre Cantalamessa advertiu ainda contra um tipo de heresia própria dos tempos modernos e que ele chama de “ativismo frenético”.

“Nós sacerdotes, mais de quaisquer outros, estamos expostos ao perigo de sacrificar o importante frente ao urgente”, disse. Mas assim, “acaba-se por adiar o importante para um amanhã que nunca chegará”.

Ao contrário, disse, a essência do sacerdócio consiste “num relacionamento pessoal, pleno de confiança e de amizade, com a pessoa de Jesus”, uma vez que “é o amor por Jesus o que diferencia o sacerdote funcionário ou gerente daquele sacerdote servo de Cristo e difusor dos Mistérios de Deus”. E convidou a “passar do Jesus personagem à pessoa de Jesus”, desenvolvendo um diálogo com Ele. “Porque se isto é negligenciado, ocorre um curto-circuito, que nos torna vazios de oração e de Espírito Santo”.

Por isso, concluiu o Padre, cada sacerdote “deve iniciar a jornada reservando um tempo de oração e de diálogo com Deus”, de modo que as demais atividades cotidianas não ocupem todo o espaço.

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Sexta-Feira Santa: se Deus existe, o não-crente perdeu tudo

Pregação do Pe. Cantalamessa na celebração da Paixão do Senhor

Por Gisele Plantec

CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 10 de abril de 2009 (ZENIT.org).- Para muitos não-crentes, a fé em Deus é um obstáculo para a felicidade. Na Sexta-Feira Santa, dia no qual a Igreja revive a morte de Cristo, o pregador da Casa Pontifícia mostrou no Vaticano como o crente, ao ter Deus, tem tudo, sobretudo a felicidade.

O Pe. Raniero Cantalamessa, ofm. Cap., na homilia que pronunciou na celebração da Paixão do Senhor, presidida por Bento XVI na Basílica de São Pedro, respondeu ao slogan que circula nos ônibus de algumas cidades da Europa: «Provavelmente Deus não existe. Deixe de preocupar-se e aproveite a vida».

«A mensagem subliminar é que a fé em Deus impede de desfrutar a vida, é inimiga da alegria. Sem essa, existiria mais felicidade no mundo!», constatou o pregador.

E respondeu à provocação propondo a pergunta que cedo ou tarde toda pessoa se faz, crente ou não-crente: qual é a origem e o sentido do sofrimento?

O pregador do Papa respondeu como o apóstolo São Paulo: O pecado é «a principal causa da infelicidade dos homens, ou seja, a rejeição de Deus, não Deus!».

O pecado, declarou, «prende a criatura humana na ‘mentira’ e na ‘injustiça’ (Rm 1, 18ss; 3, 23), condena o próprio cosmos material à ‘vaidade’ e à ‘corrupção’ (Rm 8, 19ss) e é a causa última também dos males sociais que afligem a humanidade».

Na cruz, explicou o Pe. Cantalamessa citando São Paulo, «Cristo derrubou o muro de separação, reconciliou os homens com Deus e entre si, destruindo a inimizade».

«A partir daí, a antiga tradição desenvolverá o tema da cruz como árvore cósmica que, com o braço vertical, une céu e terra e, com o braço horizontal, reconcilia entre si os diversos povos do mundo.»

Trata-se, declarou o sacerdote capuchinho, de um «evento cósmico e ao mesmo tempo personalíssimo: ‘Ele me amou e se entregou por mim’» (Gál 2, 20).

Neste sentido, cada homem, acrescentou o pregador, é «aquele por quem Cristo morreu» (Rm 14, 15).

«Com sua morte, Cristo não somente venceu o pecado, mas também deu um sentido novo ao sofrimento, também àquele que não depende do pecado de ninguém», acrescentou o Pe. Cantalamessa.

Jesus, insistiu, fez do sofrimento «um instrumento de salvação, um caminho à ressurreição e à vida. Seu sacrifício exercita seus efeitos não através da morte, mas sim graças à superação da morte, isto é, à ressurreição».

«Cristo não veio, portanto, para aumentar o sofrimento humano ou a pregar a resignação dessa; veio para dar-lhe um sentido e anunciar o fim e a superação», assegurou.

O Pe. Cantalamessa constatou que lêem esse slogan nos ônibus de Londres e de outras cidades também os pais com um filho doente, as pessoas sozinhas ou que ficaram sem trabalho, os exilados que fogem dos horrores da guerra, quem sofreu graves injustiças na vida…

«Eu procuro imaginar sua reação ao ler as palavras: ‘Provavelmente Deus não existe: aproveite, portanto, a vida!’ E com quê?», perguntou.

Mas, continuou reconhecendo, «não é a única incongruência dessa ideia publicitária».

«’Deus provavelmente não existe’: portanto, poderá existir, não se pode excluir totalmente que exista. Mas, querido irmão não-crente, se Deus não existe, eu não perdi nada; se, ao contrário, Ele existe, você terá perdido tudo!», disse.

«Devemos quase agradecer aos que lançaram aquela campanha publicitária; ela tem servido à causa de Deus mais do que muitos dos nossos argumentos apologéticos. Mostrou a pobreza de suas razões e contribuiu para despertar muitas consciências adormecidas», assegurou diante do Papa e dos milhares de fiéis que lotavam a basílica.

O Pe. Cantalamessa concluiu citando uma oração da celebração da cruz que diz que os homens só podem encontrar a paz se encontram Deus, pois no coração há uma profunda nostalgia d’Ele.

Implorando ao Senhor, disse: «Fazei que, superando cada obstáculo, reconheçamos os sinais da vossa bondade e, estimulados pelo testemunho da nossa vida, tenhamos a alegria de crer em vós, um verdadeiro Deus e Pai de todos os homens».

A pregação do Pe. Cantalamessa pode ser lida no site da Zenit (www.zenit.org).

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Espírito Santo fala através da consciência, explica pregador do Papa

3ª pregação de Quaresma do Pe. Cantalamessa

Por Gisele Plantec

CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 27 de março de 2009 (ZENIT.org).- O Espírito Santo fala a cada pessoa através de sua consciência, indicando-lhe o que está bem e o que está mal, e a ajuda a tomar as decisões que correspondem à vontade de Deus, explica o pregador do Papa.

O Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap., pregador da Casa Pontifícia, dedicou ao tema «Todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus» a 3ª meditação da Quaresma que dirigiu em presença de Bento XVI e de seus colaboradores da Cúria Romana na capela «Redemptoris Mater» do Vaticano.

Antes de tudo, explicou que ao ler as Escrituras podemos descobrir como o Espírito Santo guia os crentes de duas maneiras: por uma parte, através de sua consciência; por outra, através do Magistério da Igreja.

O pregador da Casa Pontifícia sublinhou que o Espírito Santo não é só quem guia «para a verdade completa», segundo as palavras de João evangelista, mas também é o «mestre interior», como o define São Paulo, pois «não se limita a indicar o que se deve fazer, e sim também dá a capacidade de fazer o que manda».

O Pe. Cantalamessa explicou que o âmbito no qual o Espírito Santo exerce sua função de guia é a consciência.

«Através deste ‘órgão’, a guia do Espírito Santo se estende também fora da Igreja, a todos os homens», precisou o pregador.

«Neste âmbito íntimo e pessoal da consciência, o Espírito Santo nos instrui com as ‘boas inspirações’ ou as ‘iluminações interiores’ – sublinhou. São impulsos a seguir o bem e a rejeitar o mal, atrações e propensões do coração que não se explicam naturalmente, porque com frequência vão em direção contrária ao que a natureza queria.»

Mas o Espírito Santo guia também os crentes através do Magistério da Igreja, continuou explicando o pregador da Casa Pontifícia.

«É igualmente fatal pretender prescindir de uma ou de outra das duas guias do Espírito. Quando se descuida do testemunho interior, cai-se facilmente no legalismo e no autoritarismo; quando se descuida do exterior, apostólico, cai-se no subjetivismo e no fanatismo.»

«Quando tudo se reduz à escuta pessoal, privada, do Espírito, abre-se o caminho a um processo irrefreável de divisões e subdivisões, porque cada um crê que tem razão», disse.

«Mas devemos reconhecer que existe também o risco oposto: o de absolutizar o testemunho externo e público do Espírito, ignorando o individual que se exerce através da consciência iluminada pela graça.»

«O ideal é uma sã harmonia entre a escuta do que o Espírito me diz, singularmente, e o que diz à Igreja em seu conjunto e, através da Igreja, a cada um», disse o Pe. Cantalamessa.

O pregador concluiu explicando como o Espírito Santo ajuda concretamente o crente a realizar o discernimento necessário na vida espiritual.

Citou a doutrina sobre o discernimento de Santo Inácio de Loyola, que quer ajudar o crente a «ver o que Deus quer em uma circunstância precisa», insistindo no fato de que a condição mais favorável para um bom discernimento é uma «disposição de fundo» a fazer a vontade de Deus.

«Como bons atores», exortou o pregador, devemos «ter o ouvido atento à voz do ‘auxiliar de palco’ escondido, para recitar fielmente nossa parte no cenário da vida. É mais fácil do que se pensa, porque nosso ‘auxiliar de palco’ nos fala dentro, ensina-nos todas as coisas e nos instrui em tudo. Basta às vezes um simples olhar interior, um movimento do coração, uma oração».

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Pregador do Papa: Todos os Santos e fiéis defuntos

CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 31 de outubro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap., pregador da Casa Pontifícia, por ocasião da solenidade de todos os santos e a comemoração dos fiéis defuntos.

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XXXI Domingo

Sabedoria 3, 1-9; Apocalipse 21, 1-5.6-7; Mateus 5, 1-12

A festa de todos os santos e a comemoração dos fiéis defuntos têm algo em comum e por este motivo foram colocadas uma logo após a outra. Inclusive a passagem evangélica é a mesma, a página das bem-aventuranças. Ambas as celebrações nos falam do mais além. Se não crêssemos em uma vida depois da morte, não valeria a pena celebrar a festa dos santos e menos ainda visitar o cemitério. A quem visitaríamos ou por que acenderíamos uma vela ou levaríamos uma flor?

Portanto, tudo neste dia nos convida a uma sábia reflexão: “Ensina-nos a contar nossos dias – diz um salmo – e alcançaremos a sabedoria do coração”. “Vivemos como as folhas da árvore no outono” (G. Ungaretti). A árvore na primavera volta a florescer, mas com outras folhas; o mundo continuará depois de nós, mas com outros habitantes. As folhas não têm uma segunda vida, apodrecem onde caem. O mesmo acontece a nós? Aqui termina a analogia. Jesus prometeu: “Eu sou a ressurreição e a vida, quem vive e crê em mim, ainda que morra viverá”. É o grande desafio da fé, não só dos cristãos, mas também dos judeus e dos muçulmanos, de todos os que crêem em um Deus pessoal.

Quem viu o filme “Doutor Jivago” recordará a famosa canção de Lara, a trilha sonora. Na versão italiana diz: “Não sei qual é, mas há um lugar do qual nunca regressaremos…”. A canção mostra o sentido da famosa novela de Psternac, na qual se baseia o filme: dois namorados que se encontram, se buscam, mas a quem o destino (encontramo-nos na tumultuosa época da revolução bolchevique) separa cruelmente, até a cena final, na qual seus caminhos voltam a cruzar-se, mas sem reconhecer-se.

Cada vez que escuto as notas dessa canção, minha fé me leva quase a gritar em meu interior: sim, há um lugar do qual nunca regressamos e do qual não queremos regressar. Jesus foi prepará-lo para nós, nos abriu a vida com sua ressurreição e nos indicou o caminho para segui-lo com a passagem das bem-aventuranças. Um lugar no qual o tempo se deterá para dar passagem à eternidade; onde o amor será pleno e total. Não só o amor de Deus e por Deus, mas também todo amor honesto e santo vivido na terra.

A fé não exime os crentes da angústia de ter de morrer, mas a alivia com a esperança. O prefácio da missa de amanhã diz: “aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola”. Neste sentido, há um testemunho comovente que também se encontra na Rússia. Em 1972, em uma revista clandestina se publicou uma oração encontrada no bolso da jaqueta do soldado Aleksander Zacepa, composta pouco antes da batalha na qual perdeu a vida na 2ª Guerra Mundial. Diz assim:

Escuta, ó Deus! Em minha vida não falei nem uma só vez contigo, mas hoje tenho vontade de fazer festa. Desde pequeno me disseram sempre que Tu não existes… E eu, como um idiota, acreditei.

Nunca contemplei tuas obras, mas esta noite vi desde a cratera de uma granada o céu cheio de estrelas e fiquei fascinado por seu resplendor. Nesse instante compreendi que terrível é o engano… Não sei, ó Deus, se me darás tua mão, mas te digo que Tu me entendes…

Não é algo estranho que em meio a um espantoso inferno a luz tenha me aparecido e eu tenha descoberto a ti?

Não tenho nada mais para dizer. Sinto-me feliz, pois te conheci. À meia-noite temos de atacar, mas não tenho medo, Tu nos vês. Deram o sinal! Tenho que ir. Que bem estava contigo! Quero te dizer, e Tu o sabes, que a batalha será dura: talvez esta noite vá bater à tua porta. E se até agora não fui teu amigo, quando eu chegar, Tu me deixarás entrar?

Mas, o que acontece comigo? Estou chorando? Meu Deus, olha o que me aconteceu. Só agora comecei a ver com clareza… Meu Deus, vou-me… será difícil regressar. Que estranho, agora a morte não me dá medo.

[Tradução: Élison Santos. Revisão: Aline Banchieri]

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Espiritualidade Santa Sé

Pregador do Papa: Amor faz ver outros como são realmente

Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia do próximo domingo

ROMA, sexta-feira, 24 de outubro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap. – pregador da Casa Pontifícia – sobre a liturgia do domingo próximo, 24 de outubro. 

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XXX Domingo do Tempo Comum

Êxodo 22, 20-26; 1 Tessalonicenses 1, 5c-10; Mateus 22, 34-40

Amarás o teu próximo como a ti mesmo

«Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Acrescentando as palavras «como a ti mesmo», Jesus nos pôs diante um espelho ao qual não podemos mentir: deu-nos uma medida infalível para descobrir se amamos ou não o próximo. Sabemos muito bem, em cada circunstância, o que significa amar a nós mesmos e o que queríamos que os demais fizessem por nós. Jesus não diz, note-se bem: «O que o outro te fizer, faze tu a ele». Isso seria a lei do Talião: «Olho por olho, dente por dente». Ele diz: o que tu queres que o outro te faça, faze tu a ele (cf. Mt 7, 12), que é muito diferente. 

Jesus considerava o amor ao próximo como «seu mandamento», no qual se resume toda a Lei. «Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei» (Jo 15, 12). Muitos identificam o cristianismo inteiro com o preceito do amor ao próximo, e não estão totalmente desencaminhados. Mas temos de tentar ir um pouco mais além da superfície das coisas. Quando se fala do amor ao próximo, o pensamento se dirige imediatamente às «obras» de caridade, às coisas que é preciso fazer pelo próximo: dar-lhe de comer, de beber, de vestir; ou seja, ajudar o próximo. Mas isso é um efeito do amor, não é ainda o amor. Antes da beneficência vem a benevolência; antes de fazer o bem, vem o querer.

A caridade deve ser «sem fingimentos», ou seja, sincera (literalmente, «sem hipocrisia») (Rm 12, 9); deve-se amar «verdadeiramente, de coração» (1 Pe 1, 22). Pode-se de fato fazer caridade ou dar esmola por muitos motivos que não têm nada a ver com o amor: por ficar bem, por parecer benfeitores, para ganhar o paraíso, inclusive por remorso de consciência. Muita caridade que fazemos aos países do terceiro mundo não está ditada pelo amor, mas pelo remorso. Percebemos a diferença escandalosa que existe entre nós e eles e nos sentimos em parte responsáveis por sua miséria. Pode-se ter pouca caridade também «fazendo caridade»!

Está claro que seria um erro fatal contrapor o amor do coração à caridade dos fatos ou refugiar-se nas boas disposições interiores para com os demais, para encontrar uma desculpa para a própria falta de caridade atual e concreta. Se você encontra um pobre faminto e tremendo de frio, dizia São Tiago, «de que serve dizer «Pobre, vá, esquente-se, coma algo», mas não lhe dá nada do que precisa?». « Filhos meus, acrescenta o evangelista João, não amemos de palavra nem de boca, mas com obras e segundo a verdade» (1 Jo 3, 18). Não se trata, portanto, de subestimar as obras externas de caridade, mas de fazer que estas tenham seu fundamento em um genuíno sentimento de amor e benevolência. 

Esta caridade do coração ou interior é a caridade que todos e sempre podemos exercer, é universal. Não é uma caridade que alguns – os ricos e saudáveis – podem somente dar e outros – os pobres e enfermos – podem apenas receber. Todos nós podemos fazê-la e recebê-la. Também é muito concreta. Trata-se de começar a olhar com novos olhos as situações e as pessoas com as que vivemos. Com que olhos? É simples: os olhos com que quisermos que Deus nos olhe. Olhos de desculpa, de benevolência, de compreensão, de perdão…

Quando isso acontece, todas as relações mudam. Caem, como por milagre, todos os motivos de prevenção e hostilidade que nos impediam de amar certa pessoa, e esta começa a parecer o que é realmente: uma pobre criatura humana que sofre por suas fraquezas e limites, como você, como todos. É como se a máscara que todos os homens e as coisas têm caíssem, e a pessoa aparecesse como é na realidade.