Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 2 de maio de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap. – pregador da Casa Pontifícia – sobre a Liturgia da Palavra do próximo domingo, Ascensão do Senhor.
* * *
Ascensão do Senhor
Atos 1, 1-11; Efésios 1, 17-23; Mateus 28, 16-20
«Por que ficais aqui parados, olhando para o céu?»
Na primeira leitura, um anjo diz aos discípulos: «Homens da Galiléia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu». É a ocasião para declarar-nos as idéias sobre o que entendemos por «céu». Em quase todos os povos, por céu se indica a morada da divindade. Também a Bíblia usa esta linguagem espacial: «Glória a Deus no alto céu e paz na terra aos homens».
Com a chegada da era científica, todos estes significados religiosos da palavra «céu» entraram em crise. O céu é o espaço no qual nosso planeta e todo o sistema solar se movem, e nada mais. Conhecemos a ocorrência atribuída a um astronauta soviético, ao regresso de sua viagem pelo cosmo: «Percorri o espaço e não encontrei Deus em lugar nenhum!».
Assim, é importante que tentemos esclarecer o que entendemos nós, cristãos, quando dizemos «Pai nosso que estais nos céus», ou quando dizemos que alguém «foi para o céu». A Bíblia se adapta, nestes casos, ao modo de falar popular (também o fazemos atualmente, na era científica, quando dizemos que o sol «sai» ou se «põe»); mas ela bem sabe e ensina que Deus «está no céu, na terra e em todo lugar», que é Ele quem «criou os céus», e se os criou não pode estar «fechado» neles. Que Deus esteja «nos céus» significa que «habita em uma luz inacessível»; que dista de nós «o quanto o céu se eleva sobre a terra».
Desta forma nós, os cristãos, concordamos em dizer que o céu, como lugar da morada de Deus, é mais um estado que um lugar. Quando se fala dele, não tem sentido algum dizer «no alto» ou «abaixo». Com isso não estamos afirmando que o paraíso não existe, mas só que para nós nos faltam as categorias para poder representá-lo. Peçamos a uma pessoa completamente cega de nascença que nos descreva o que são as cores: o vermelho, o verde, o azul… Não poderá dizer absolutamente nada, nem outro será capaz de explicar-lhe, pois as cores são percebidas com a visão. Assim acontece conosco com relação ao além e à vida eterna, que estão fora do espaço e do tempo.
À luz do que dissemos, o que significa proclamar que Jesus «subiu ao céu»? A resposta está no Credo: «Subiu aos céus, e está sentado à direita do Pai». Que Cristo tenha subido ao céu significa que «está sentado à direita do Pai», isto é, que também como homem entrou no mundo de Deus; que foi constituído, como diz São Paulo na segunda leitura, Senhor e cabeça de todas as coisas. Em nosso caso, «ir ao céu» ou «ao paraíso» significa ir para estar «com Cristo» (Fil 1, 23). Nosso verdadeiro céu é Cristo ressuscitado, com quem iremos encontrar-nos e formar um «corpo» depois de nossa ressurreição, e de modo provisório e imperfeito imediatamente depois da morte. Objeta-se às vezes que, contudo, ninguém voltou do além para assegurar-nos que ele existe de verdade e que não se trata de uma piedosa ilusão. Não é verdade! Há alguém que a cada dia, na Eucaristia, volta do além para dar-nos garantias e renovar suas promessas, se sabemos reconhecê-lo.
As palavras do anjo, «homens da Galiléia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu?», contêm também uma reprovação velada: não devem ficar olhando para o céu e especulando sobre o além, mas viver à espera do retorno [de Jesus], prosseguir sua missão, levar seu Evangelho até os confins da terra, melhorar a própria vida na terra. Ele subiu ao céu, mas sem deixar a terra. Só saiu de nosso campo visual. Precisamente na passagem evangélica Ele mesmo nos assegura: «Eis que eu estou convosco todos os dias até o fim do mundo».