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Ex-Protestante responde: O que significa o termo Católico?

Por Steve Ray
Tradução: Renata Espíndola
Fonte: Catholic Convert

A história do termo Católico

Como um protestante, fui para uma igreja evangélica que modificou um importante e histórico termo no Credo dos Apóstolos. Ao invés da “Santa, Católica Igreja”, éramos a “Santa, Cristã Igreja”. Nada refleti sobre este fato naquele momento. Certamente não havia nenhuma intenção maligna, apenas uma repugnância com a Igreja Católica e o distinto desejo de nos distanciarmos desta heresia e tradição feitas pelas mãos dos homens.

Para mim, os católicos se desviaram logo no início da “Cristandade Bíblica”, então eles simplesmente inventaram um novo termo para descrever sua sociedade. Desde que nós, os evangélicos, supostamente éramos os leais e verdadeiros crentes da Bíblia, não possuíamos nenhum interesse no termo católico, desde que este não foi encontrado em nenhum lugar entre as capas da Bíblia, ou seja no corpo textual não era citado. Era apenas um termo cujo viés era carregado por uma bagagem negativa, então nós o removemos do Credo.

Eu deveria ter questionado “De onde vem o termo católico e o que significa”. Estaria eu correto em assumir que os Católicos Romanos inventaram o termo para destacá-los da “Cristandade Bíblica”?

Como doutrinas e palavras se desenvolvem

O desenvolvimento da doutrina não é apenas um fenômeno católico. É também um fato entre protestantes e em todas as religiões ou tradições teológicas. Ao longo dos anos, termos teológicos são desenvolvidos para auxiliar na explicação do conhecimento mais profundo da fé. Como os cristãos ponderam, a Revelação foi transmitida pelos apóstolos e depositada na Igreja d’Ele – a Igreja pondera apoiada na Palavra de Deus – refletindo cada vez mais profundamente.

Não é muito diferente de se descascar uma cebola em camadas, o se penetrar profundamente no coração. O desenvolvimento da doutrina define, molda e interpreta o depósito da fé. A Bíblia não é um manual técnico de instruções teológicas ou de detalhamento de uma igreja, como seria um catecismo ou um guia de estudos. O significado da Bíblia não é sempre claro, como nos contou São Pedro (2Ped 3,15-16). Trinta e três mil denominações protestantes – competindo entre si também tornam este fato aparente, uma vez que falham em concordar no que a Bíblia diz. Faz-se necessária a autoridade de uma igreja universal e dos sucessores dos apóstolos para formular as doutrinas da fé. Como um evangélico, eu era ingênuo ao pensar que poderia recriar a roda teológica para mim mesmo.

Para ilustrar o desenvolvimento doutrinário, observemos o termo Trindade. Este termo nunca aparece na Bíblia, nem a mesma dá a fórmula explícita para a natureza da Trindade como comumente é utilizada hoje, como sendo “Um Deus Único em Três Pessoas Distintas” ou “Três Pessoas, Uma Natureza“. Todavia, o termo Trindade, como desenvolvido internamente na Igreja Católica, é uma crença essencial para quase toda denominação protestante. O primeiro registro do uso do termo Trindade – trias – foi nos escritos de Teófilo de Antioquia, em torno do ano 180 A.D.. Apesar de não ter sido encontrada na Bíblia, a Igreja Primitiva desenvolveu termos como Trindade, os quais são utilizados para definir e explicar doutrinas cristãs essenciais e básicas.

De modo interessante, enquanto vários protestantes objetam a idéia do desenvolvimento da doutrina segundo a Igreja Católica, os mesmos não têm problema com o desenvolvimento em seus próprios campos, inclusive quanto a inovações e invenções. Tome por exemplo, o Arrebatamento, outro termo não encontrado na Bíblia e não utilizado em qualquer círculo teológico até meados do século XIX. Após uma “profética articulação” vinda de duas mulheres numa reunião escocesa de renovação, a nova doutrina do “Arrebatamento” espalhou como um incêndio selvagem por toda Nova Inglaterra e América.

Foi a Igreja Católica quem definiu a Trindade Sagrada, a divindade e humanidade de Cristo – a união hipoestática destas duas naturezas na pessoa única e divina de Jesus -, salvação, batismo, a Sagrada Eucaristia e todos os outros ensinamentos que pavimentam a Fé Cristã. Foi também a Igreja Católica que trouxe à tona o Novo Testamento – coletando, canonizando, preservando, distribuindo e interpretando o mesmo. Como um protestante, eu estava bastante inclinado para a aceitação inconsciente dos ensinamentos da Igreja Católica sobre a Trindade, sobre a deidade de Cristo, o cânon ortodoxo do Novo Testamento e etc., mas rejeitava, voluntariosamente, o ensinamento “integral” da Igreja Católica. Hoje, compreendo que é na Igreja Católica que encontramos a abundância da fé e o visível e universal corpo de Cristo.

A definição do termo Católico

Entretanto, nós ainda não definimos o termo católico. Ele vem do termo grego “katholikós“, o qual é a combinação de duas palavras: “kata” – concernente – e “holos” – totalidade; por conseqüência, “concernente à totalidade” ou “integral, abrangente”. De acordo com o Dicionário Oxford de Etimologia Inglesa, o termo católico surge de uma palavra grega cujo significado é “relativo à totalidade” ou mais simplesmente, “geral ou universal”.

Universal é originado de duas palavras gregas: “uni” – um – e “vetere” – giro; por conseqüência, “girando ao redor de um” ou “transformado em um[1]. A palavra igreja deriva do grego “ecclesia“, a qual significa “aqueles chamados para socorrer“, como se convocados a serem sublimados e libertos do mundo para formar uma sociedade distinta. Então, a Igreja Católica é feita destes que foram convocados e reunidos numa visível e universal sociedade fundada por Cristo.

Em seus primeiros anos a Igreja era pequena, tanto geograficamente, quanto numericamente. Aproximadamente pela primeira década, a Igreja na área de Jerusalém foi constituída exclusivamente de judeus; o termo católico dificilmente poderia ser aplicado. Entretanto, conforme a Igreja crescia e se espalhava pelo Império Romano, foi incorporando judeus e gentios, ricos e pobres, romanos, homens libertos e até mesmo escravos; ou seja, homens e mulheres de cada tribo e idioma. Porém, por volta do terceiro século, era católica uma em cada dez pessoas no Império Romano. Do mesmo modo que o termo Trindade foi apropriado para descrever a natureza de Deus, assim foi com o termo católico para descrever a natureza do Corpo de Cristo – a Igreja -, mas voltemos à história do termo católico.

O registro inicial de seu uso foi encontrado nos primeiros anos da literatura cristã. Encontramos o primeiro indício nos escritos de São Inácio de Antioquia, o qual era um homem jovem durante o tempo de vida dos apóstolos e foi o segundo Bispo de Antióquia, sucessor de Pedro. São Inácio esteve imerso na tradição viva da igreja local em Antióquia, onde os seguidores de Cristo foram inicialmente denominados cristãos (At 11,26). Ele esteve presente o suficiente não só para conhecer os apóstolos, mas para ser ensinado e ordenado diretamente pelos mesmos. Dos apóstolos, Santo Inácio aprendeu o que era a Igreja, como deveria funcionar, crescer e ser governada. A História nos informa que São Pedro era o Bispo de Antióquia na época, e de fato, os Pais da Igreja proclamam que São Inácio foi ordenado pelo próprio São Pedro[2]. São Inácio certamente prestou adoração com Pedro, Paulo e João, vivendo com ou próximo a eles e esteve sob as orientações destes apóstolos especiais. São Inácio de Antióquia é conhecido e reverenciado como uma testemunha autêntica da tradição e costumes dos apóstolos.

Nos documentos existentes que resistiram até nossa época, São Inácio foi o primeiro a utilizar o termo católico em referência à Igreja. Em sua jornada a Roma, sob escolta militar para o Coliseu, onde seria devorado por leões devido a sua fé, escreveu que “Vocês todos devem seguir o Bispo assim como Jesus Cristo segue ao Pai, e ao presbitério como vocês seguiriam aos apóstolos. Aonde quer que o Bispo surja, permita que as pessoas ali estejam, assim como onde quer que Jesus Cristo esteja, ali se encontra a Igreja Católica” (Epístola aos Esmirniotas).

Outro registro inicial do termo católico é associado a São Policarpo, Bispo de Esmirna, o qual o utilizou por diversas vezes. São Policarpo foi discípulo do apóstolo João, assim como este o foi de Jesus Cristo. Como São Inácio, São Policarpo morreu martirizado num coliseu em 155A.D.. No Martiriológo de São Policarpo, escrito no período de sua morte, lemos “Da Igreja de Deus localizada em Esmirna para a Igreja de Deus localizada em Filomélia, e para todas as dioceses da santa e católica Igreja localizadas em qualquer parte” (Epístola da Igreja em Esmirna, Prefácio). Posteriormente, é citado no mesmo livro que “quando Policarpo terminou sua oração, na qual relembrou todos os que conheceu… e toda a Igreja Católica dispersa pelo mundo…“. Após a oração, os romanos o entregaram às feras selvagens, ao fogo e à espada. A epístola conclui ainda que “agora com os Apóstolos e todos os justos, se encontra glorificando ao Deus e Pai Todo Poderoso, louvando ao Nosso Senhor Jesus Cristo, o Salvador de nossas almas e Pastor da Igreja Católica por todo o mundo“. (8)

Então podemos claramente entender que logo no início do segundo século, os cristãos usaram regularmente o termo católico como uma definição do estabelecimento da Igreja. A partir do segundo século em diante, vemos que o termo é regularmente aplicado por teólogos e escritores.Alguém poderia facilmente concluir que “católica” era uma descrição inicial da Igreja, provavelmente utilizada pelos próprios apóstolos.

No quarto século, Santo Agostinho ao retransmitir a tradição da Igreja Primitiva, não economizou palavras para referendar a importância e disseminação a longa distância do uso do termo católico. Ele escreveu que “devemos ser leais à religião cristã e à comunicação em Sua Igreja que é católica, e que não é denominada católica apenas por seus próprios membros, mas também por todos seus inimigos” (A Verdadeira Religião 7,12). E novamente, “a única e verdadeira denominação Católica, a qual não sem razão, pertence somente a esta Igreja, defronte tantos hereges, e embora todos os hereges desejem ser denominados católicos, quando um estranho lhes pergunta a localização da Igreja Católica, nenhum destes hereges ousa apontar para sua própria basílica ou casa” (Contra a Carta de Mani entitulada “A Fundação” 4,5).

A inicial aplicação e a importância do termo também poderão ser compreendidas através de seu uso tanto no Credo dos Apóstolos, quanto no de Nicene. Se você fosse um cristão no primeiro milênio, você seria um católico; e se você era um católico, você recitou estes credos afirmando “Uma Santa, Católica e Apostólica Igreja“. Infelizmente, hoje algumas pessoas buscam realizar uma distinção entre “Católica” com “C” maiúsculo e “católica” com “c” minúsculo, mas tal distinção é um desenvolvimento recente e jamais escutado na Igreja Primitiva.

O entendimento bíblico do termo Católico

Jesus enviou seus apóstolos como missionários levando as seguintes palavras “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (Mt 28, 19-20). Como nos recorda Frank Sheed, “Preste atenção primeiramente na repetição tripla da idéia de “totalidade” – todas as nações, todas as coisas, todos os dias. Católico, dizemos, significa universal. Examinando o termo universal, vemos que este contém duas idéias, a idéia do todo, a idéia do um. Mas tudo o que? Todas as nações, todo os ensinamentos, todo o tempo, assim diz Nosso Senhor. Não é uma descrição exagerada da Igreja Católica. Nem sob o mais insano exagero, esta poderia evoluir como uma descrição de qualquer outra [igreja]” (Teologia e Santidade [San Francisco, CA: Ignatius Press, 1993], 284).

Jesus utilizou a palavra igreja duas vezes nos evangelhos, e ambas em Mateus, Ele disse “…sobre esta pedra edificarei minha igreja…” (Mt 16,18). Ele não mencionou igrejas ainda que estabelecesse uma divisão, nem insinuou que esta seria uma igreja invisível maquiada em grupos competidores entre si. Ele estava estabelecendo uma visível e reconhecível igreja. E em Mateus 18,17, Jesus diz que “Caso não lhes der ouvido, dizei-o à Igreja“, quanto à correção fraterna de um irmão pelo outro. Repare o artigo “a” referindo-se a uma entidade distinta; não “igrejas”, mas uma visível, reconhecível igreja na qual se espera ter uma liderança reconhecível com universal autoridade.

Atualmente, qualquer um pode constatar o triste estado da “Cristandade” ao comparar as palavras de Jesus sobre “a Igreja” com a situação corrente. Se um Metodista ofende um Batista, ou um Presbiteriano ofende um Pentecostal, qual “igreja” eles buscarão para ajuizar a questão? Este fato sozinho demonstra o problema quando 33.000 denominações existem fora dos limites físicos da “Una, Santa, Católica e Apostólica Igreja“. Jesus esperava que houvesse uma universal, plena em autoridade, visível e católica Igreja para representá-lo no mundo até o seu retorno.

Logo após sua crucificação, Jesus orou não apenas pela universalidade e catolicidade da Igreja, mas para sua unidade visível (Jo 17, 21-23):

“…a fim de que todos sejam um.
Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti,
que eles estejam em nós,
para que o mundo creia que tu me enviaste.
Eu lhes dei a glória que me deste
para que sejam um, como nós somos um:
Eu neles e tu em mim,
para que sejam perfeitos na unidade
e para que o mundo reconheça que me enviaste
e os amaste como amaste a mim”.

A Igreja Primitiva compreendeu as palavras de Jesus. Qual seria o bem de uma unidade invisível, teórica e impraticável? Para que o mundo veja uma unidade católica, a singularidade da Igreja deve ter uma realidade física, real e visível, tudo o que já é a Igreja Católica. Desde os primeiros séculos, os cristãos têm confessado que a Igreja é “uma, santa, católica e apostólica”.

Una, porque realmente só existe uma, visível, orgânica e unificada Igreja; Santa, porque é denominada pelo mundo como a Esposa de Cristo, justa e santificada; Católica, porque é universal, unificada, e abrange todo o mundo; Apostólica, porque fundada por Cristo (Mt 16,18) através de seus Apóstolos, e porque a autoridade de seus apóstolos é perpetuada através de seus Bispos. Através dos séculos, este credo tem sido o estatuto da Igreja.

Nestes últimos dias, os cristãos necessitam continuar confiantes e obedientes em seus corações à Igreja Católica. Ela tem sido nossa Mãe fiel e persistente em transmitir a ordem de Jesus Cristo por 2.000 anos. Como um evangélico protestante, pensei que poderia ignorar os credos e concílios de nossa Mãe, a Igreja. Eu estava desoladamente equivocado. Eu agora compreendo que Jesus requer de nós que escutemos Sua Igreja, a Igreja a qual ele deu autoridade para atar e desatar (Mt 16,19 e 18,17) – a Igreja Católica – a qual é o pilar e fundação da Verdade (1 Tim 3,15).

Steve Ray é o autor de Crossing the Tiber, Upon this Rock e St. John’s Gospel. Ele também é co-autor de Catholic Answers: Papacy Learning Guide. Você poderá entrar em contato com ele em sua página eletrônica: www.catholicconvert.com.

[1] ONIONS, C.T. The Oxford Dictionary of English Etymology. New York, NY: Oxford University Press, 1983.
[2] RAY, Stephen. Upon this Rock. San Francisco, CA: Ignatius Press, 1999. p.119.

Timóteo e Tito

Por Papa Bento XVI
Tradução: Vaticano
Fonte: Vaticano

Queridos irmãos e irmãs!

Depois de ter falado longamente sobre o grande apóstolo Paulo, hoje tomamos em consideração os seus dois colaboradores mais estreitos: Timóteo e Tito. São dirigidas a eles três Cartas tradicionalmente atribuídas a Paulo, das quais duas são destinadas a Timóteo e uma a Tito.

Timóteo é um nome grego e significa “que honra Deus”. Enquanto Lucas nos Actos o menciona seis vezes, Paulo nas suas cartas faz referência a ele dezassete vezes (além disso encontrámo-lo uma vez na Carta aos Hebreus). Deduz-se que aos olhos de Paulo ele gozava de grande consideração, mesmo se Lucas não considera que deva narrar tudo o que lhe diz respeito. De facto, o Apóstolo encarregou-o de missões importantes e viu nele quase um alter ego, como resulta do grande elogio que dele traça na Carta aos Filipenses: “É que não tenho ninguém com igual disposição (isópsychon), que tão sinceramente se preocupe pela vossa vida” (2, 20).

Timóteo tinha nascido em Listra (cerca de 200 km a nordeste de Tarso) de mãe judia e de pai pagão (cf. Act 16, 1). O facto que a mãe tivesse contraído um matrimónio misto e não tivesse feito circuncidar o filho deixa pensar que Timóteo tenha crescido numa família não estrictamente observante, mesmo se foi dito que conhecia as Escrituras desde a infância (cf. 2 Tm 3, 15). Foi-nos transmitido o nome da mãe, Eunice, e também o da avó, Loide (cf. 2 Tm 1, 5). Quando Paulo passou por Listra no início da segunda viagem missionária, escolheu Timóteo como companheiro, porque “era muito estimado pelos irmãos de Listra e de Icóneo” (Act 16, 2), mas fê-lo circuncidar “por causa dos judeus existentes naquelas regiões” (Act 16, 3).

Juntamente com Paulo e Silas, Timóteo atravessou a Ásia Menor até Tróade, de onde passou à Macedónia. Além disso, estamos informados de que em Filipos, onde Paulo e Silas foram envolvidos na acusação de espalhar desordens públicas e foram aprisionados por se terem oposto à exploração por parte de alguns indivíduos sem escrúpulos de uma jovem mulher como maga (cf. Act 16, 16-40), Timóteo foi poupado. Depois, quando Paulo foi obrigado a prosseguir até Atenas, Timóteo alcançou-o naquela cidade e ali foi enviado à jovem Igreja de Tessalónica para ter notícias e para a confirmar na fé (cf. 1 Ts 3, 1-2). Foi ter depois com o Apóstolo em Corinto, levando-lhe boas notícias sobre os Tessalonicenses e colaborando com ele na evangelização daquela cidade (cf. 2 Cor 1, 19).

Reencontramos Timóteo em Éfeso durante a terceira viagem missionária de Paulo. Dali provavelmente o Apóstolo escreveu a Filemon e aos Filipenses, e nas duas cartas a Timóteo resulta co-autor (cf. Fm 1; Fl 1, 1). De Éfeso, Paulo enviou-o à Macedónia juntamente com um certo Erasto (cf. Act 19, 22) e depois também a Corinto com o cargo de levar uma carta, na qual recomendava aos Coríntios que o acolhessem calorosamente (cf. 1 Cor 4, 17; 16, 10-11).

Encontrámo-lo ainda como co-autor da Segunda Carta aos Coríntos, e quando de Corinto Paulo escreve a Carta aos Romanos une nela, juntamente com as dos demais, as saudações de Timóteo (cf. Rm 16, 21). De Corinto o discípulo partiu de novo para alcançar Tróade na margem asiática do Mar Egeu e ali aguardar o Apóstolo que ia para Jerusalém na conclusão da terceira viagem missionária (cf. Act 20, 4). A partir daquele momento sobre a biografia de Timóteo as fontes antigas dão-nos apenas uma referência na Carta aos Hebreus, na qual se lê: “Sabei que o nosso irmão Timóteo foi posto em liberdade. Se vier depressa, irei ver-vos com Ele” (13, 23). Em conclusão, podemos dizer que a figura de Timóteo sobressai como a de um pastor de grande relevo. Segundo a posterior História eclesiástica de Eusébio, Timóteo foi o primeiro Bispo de Éfeso (cf. 3, 4). Algumas das suas relíquias encontram-se desde 1239 na Itália na Catedral de Termoli no Molise, provenientes de Constantinopla.

Depois, quanto à figura de Tito, cujo nome é de origem latina, sabemos que era grego de nascença, isto é, pagão (cf. Gl 2, 3). Paulo levou-o consigo a Jerusalém para o chamado Concílio apostólico, no qual foi solenemente aceite a pregação aos pagãos do Evangelho, que libertava dos condicionamentos da lei moisaica. Na Carta a ele dirigida, o Apóstolo elogia-o definindo-o “meu verdadeiro filho na fé comum” (Tt 1, 4). Depois da partida de Timóteo de Corinto, Paulo enviou Tito a essa cidade com a tarefa de reconduzir aquela indócil comunidade à obediência. Tito restabeleceu a paz entre a Igreja de Corinto e o Apóstolo, que lhe escreveu nestes termos: “Deus, porém, que consola os humildes, consolou-nos com a chegada de Tito, e não só com a sua chegada mas também com a consolação que ele tinha recebido de vós.

Contou-nos ele o vosso vivo desejo, a vossa aflição, a vossa solicitude por mim… Foi por isso que ficámos consolados” (2 Cor 7, 6-7.13). Tito foi enviado de novo a Corinto por Paulo que o qualifica como “meu companheiro e colaborador” (2 Cor 8, 23) para ali organizar a conclusão das colectas em favor dos cristãos de Jerusalém (cf. 2 Cor 8, 6). Ulteriores notícias provenientes das Cartas Pastorais qualificam-no como Bispo de Creta (cf. Tt 1, 5), de onde, a convite de Paulo, alcançou o Apóstolo em Nicópoles no Éfiro (cf. Tt 3, 12). Não possuímos outras informações sobre os deslocamentos seguintes de Tito e sobre a sua morte.

Para concluir, se consideramos Timóteo e Tito unitariamente nas suas duas figuras, apercebemo-nos de alguns dados significativos. O mais importante é que Paulo se serviu de colaboradores para o desempenho das suas missões. Ele permanece certamente o Apóstolo por antonomásia, fundador e pastor de muitas Igrejas. Contudo é evidente que ele não fazia tudo sozinho, mas apoiava-se em pessoas de confiança que partilhavam as suas fadigas e as suas responsabilidades. Outra observação refere-se à disponibilidade destes colaboradores. As fontes relativas a Timóteo e a Tito põem bem em realce a sua disponibilidade para assumir vários cargos, que muitas vezes consistiam em representar Paulo também em ocasiões não fáceis.

Numa palavra, eles ensinam-nos a servir o Evangelho com generosidade, sabendo que isto obriga também a um serviço à própria Igreja. Por fim, aceitemos a recomendação que o apóstolo Paulo faz a Tito na carta a ele dirigida: “desejo que tu fales com firmeza destas coisas, para que os que acreditaram em Deus, se empenhem na prática de boas obras, pois isso é bom e útil para os homens” (Tt 3, 8). Mediante o nosso compromisso concreto devemos e podemos descobrir a verdade destas palavras, e precisamente neste tempo de Advento sermos nós também ricos de obras boas e assim abrir as portas do mundo a Cristo, o nosso Salvador.

Filipe

Por Papa Bento XVI
Tradução: Vaticano
Fonte: Vaticano

Queridos irmãos e irmãs!

Prosseguindo no delineamento das fisionomias dos vários Apóstolos, como fazemos há algumas semanas, hoje encontramos Filipe. Nas listas dos Doze, ele é sempre colocado no quinto lugar (assim em Mt 10, 3; Mc 3, 18; Lc 6, 14; Act 1, 13), portanto substancialmente entre os primeiros.

Apesar de Filipe ter origens hebraicas, o seu nome é grego, como o de André, e isto é um pequeno sinal de abertura cultural que não se deve subestimar. As notícias que temos sobre ele são-nos fornecidas pelo Evangelho de João. Ele provinha do mesmo lugar de origem de Pedro e de André, isto é, de Batsaida (cf. Jo 1, 44), uma pequena cidade pertencente à tetrarquia de um dos filhos de Herodes, o Grande, também ele chamado Filipe (cf.Lc3,1).

O Quarto Evangelho narra que, depois de ter sido chamado por Jesus, Filipe encontra Natanael e diz-lhe: “Encontrámos aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os Profetas: Jesus, filho de José de Nazaré” (Jo 1, 45). Natanael dá uma resposta bastante céptica (“De Nazaré pode vir alguma coisa boa?”), perante a qual Filipe não se desencoraja e responde com determinação: “Vem e verás!” (Jo 1, 46). Nesta resposta, breve mas clara, Filipe manifesta as características da verdadeira testemunha: não se contenta em propor o anúncio, como uma teoria, mas interpela directamente o interlocutor sugerindo-lhe que faça ele mesmo uma experiência pessoal do que foi anunciado. Os mesmos dois verbos são usados pelo próprio Jesus quando dois discípulos de João Baptista se aproximam dele para lhe perguntar onde mora. Jesus responde: “Vinde ver” (cf. Jo 1, 38-39).

Podemos pensar que Filipe se dirija também a nós com aqueles dois verbos que exigem um envolvimento pessoal. Também a nós diz o que dissera a Natanael: “Vem e verás”. O Apóstolo convida-nos a conhecer Jesus de perto. De facto, a amizade, o verdadeiro conhecer o outro, precisa da proximidade, aliás, de certa forma vive dela. De resto, não se deve esquecer que, segundo o que escreve Marcos, Jesus escolheu os Doze com a finalidade primária que “andassem com Ele” (Mc 3, 14), ou seja, que partilhassem a sua vida e aprendessem directamente dele não só o estilo do seu comportamento, mas sobretudo quem era Ele realmente. Com efeito, só assim, participando na sua vida, o podiam conhecer e depois anunciar. Mais tarde, na Carta de Paulo aos Efésios, ler-se-á que o importante é “aprender de Cristo” (4, 20), portanto, não só e não tanto ouvir os seus ensinamentos, as suas palavras, mas ainda mais conhecê-lo pessoalmente, a sua humanidade e divindade, o seu mistério, a sua beleza. De facto, Ele não é só um Mestre, mas um Amigo, ou melhor, um Irmão. Como poderíamos conhecê-lo profundamente permanecendo distantes? A intimidade, a familiariedade, o habitual fazem-nos descobrir a verdadeira identidade de Jesus Cristo. Portanto: é precisamente isto que nos recorda o apóstolo Filipe. E convida-nos a “vir”, a “ver”, isto é, a entrar num contacto de escuta, de resposta e de comunhão de vida com Jesus dia após dia.

Depois, por ocasião da multiplicação dos pães, ele recebeu de Jesus um pedido específico e surpreendente: onde era possível comprar o pão para saciar a fome de todo o povo que o seguia (cf. Jo 6, 5). Então Filipe respondeu com muito realismo: “Duzentos denários de pão não chegam para cada um comer um bocadinho” (Jo 6, 7). Vêem-se aqui a praticidade e o realismo do Apóstolo, que sabe julgar as reais consequências de uma situação. Depois, como correram as coisas nós sabemo-lo. Sabemos que Jesus tomou os pães e, depois de ter rezado, distribuiu-os.

Assim realizou-se a multiplicação dos pães. Mas é interessante que Jesus se tenha dirigido precisamente a Filipe para obter uma primeira indicação sobre o modo de resolver o problema: sinal evidente de que ele fazia parte do grupo limitado que o circundava. Noutro momento, muito importante para a história futura, antes da Paixão, alguns Gregos que se encontravam em Jerusalém para a Páscoa “foram ter com Filipe… e pediram-lhe: “Senhor, nós queremos ver Jesus!”. Filipe foi dizer isto a André; André e Filipe foram dizê-lo a Jesus” (Jo 12, 20-22). Mais uma vez, temos a indicação de um seu prestígio especial no âmbito do colégio apostólico. Sobretudo, neste caso, ele serve de intermediário entre o pedido de alguns Gregos provavelmente falava o grego e pôde disponibilizar-se como intérprete e Jesus; Mesmo se ele se une a André, o outro Apóstolo com um nome grego, é contudo a ele que aquelas pessoas desconhecidas se dirigem. Isto ensina-nos a estar também nós sempre prontos, tanto a ouvir pedidos e invocações, de onde quer que venham, como a orientá-los para o Senhor, o único que os pode satisfazer plenamente. Com efeito, é importante saber que nós não somos os destinatários últimos das orações de quem nos aproxima, mas é o Senhor: para ele devemos orientar todo aquele que se encontre em necessidade. Então: cada um de nós deve ser um caminho aberto para ele!

Há depois outra ocasião completamente particular, na qual Filipe entra em cena. Durante a Última Ceia, tendo Jesus afirmado que conhecê-lo significa também conhecer o Pai (cf. Jo 14, 7), Filipe pede quase ingenuamente: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!” (Jo 14, 8). Jesus responde-lhe com um tom de indulgente reprovação: “Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, “mostra-nos o Pai”? Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em Mim?… Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim” (Jo 14, 9-11). Estas palavras são as mais nobres do Evangelho de João. Elas contêm uma profunda revelação. No final do Prólogo do seu Evangelho, João afirma: “A Deus jamais alguém o viu. O Filho Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer” (Jo 1, 18). Pois bem, aquela afirmação, que é do evangelista, é retomada e confirmada pelo próprio Jesus. Mas com uma nova característica. De facto, enquanto o Prólogo de João fala de uma intervenção esclarecedora de Jesus mediante as palavras do seu ensinamento, na resposta a Filipe Jesus faz referência à própria pessoa como tal, dando a entender que é possível compreendê-lo não só mediante o que diz, mas ainda mais mediante o que ele simplesmente é.

Para nos expressarmos segundo o paradoxo da Encarnação, podemos dizer que Deus se conferiu um rosto humano, o de Jesus, e por conseguinte de agora em diante, se verdadeiramente queremos conhecer o rosto de Deus, devemos contemplar o rosto de Jesus! No seu semblante vemos realmente quem é e como é Deus!

O evangelista não nos diz se Filipe compreendeu plenamente a frase de Jesus. Sem dúvida, ele dedicou-lhe totalmente a própria vida. Segundo algumas narrações posteriores (Actos de Filipe e outros), o nosso Apóstolo teria evangelizado primeiro na Grécia e depois na Frígia onde enfrentou a morte, em Herápoles, com um suplício descrito diversamente como crucifixão ou lapidação.

Desejamos concluir a nossa reflexão recordando a finalidade para a qual deve tender a nossa vida: encontrar Jesus como o encontrou Filipe, procurando ver nele o próprio Deus, o Pai celeste. Se este compromisso viesse a faltar, seríamos remetidos sempre e só para nós como num espelho, e estaríamos cada vez mais sós! Ao contrário, Filipe ensina-nos a deixar-nos conquistar por Jesus, a estar com Ele e a convidar também outros a partilhar esta companhia indispensável. E vendo-o, encontrando Deus, encontrar a verdadeira vida.

Quem é a Pedra: Jesus ou Pedro?

Jesus e Pedro

Por Karl Keating
Fonte: Veritatis Splendor

O diálogo a seguir ilustra muito bem um debate entre um católico e um protestante quando este argumenta que a “Pedra” citada por Jesus em Mt 16,18 jamais poderia referir-se a Pedro, mas sim ao próprio Jesus, uma vez que as Sagradas Escrituras em muitas passagens identifica Jesus como a “rocha”, a “pedra angular”.

Antes de apresentar o diálogo, a Barca de Jesus observa que embora na maioria das passagens bíblicas “pedra” ou “rocha” realmente se refira a Jesus, existem exceções. O próprio Jesus que disse ser a “Luz do Mundo” (Jo 8,12) disse aos apóstolos que também eles deveriam ser “Luz do Mundo” (Mt 5,13). Além da passagem de Mt 16,18 onde a “pedra” referida não se trata de Jesus, como veremos claramente no diálogo abaixo, temos também, por exemplo, Is 51,1-2 (a “pedra” é Abraão) e 1Pd 2, 4-5 (“pedras vivas” é Jesus e também são os cristãos).

O fato de Jesus aplicar a Pedro uma figura que a Bíblia exaustivamente aplica a Jesus, bem mostra a intenção de Jesus em fazer de Pedro um representante de Cristo na terra. O que, por sinal, Ele confirmou explicitamente ao dar autoridade a Pedro não apenas de ligar e desligar na terra, mas também no Céu. Vamos, então, ao diálogo:

Protestante:

Em grego, a palavra para pedra é petra, que significa uma rocha grande e maciça. A palavra usada como nome para Simão, por sua vez, é petros, que significa uma pedra pequena, uma pedrinha.

Católico:

Na verdade, todo este discurso é falso. Como sabem os conhecedores de grego (mesmo os não católicos), as palavras petros e petra eram sinônimos no grego do primeiro século. Elas significaram “pequena pedra” e “grande rocha” em uma velha poesia grega, séculos antes da vinda de Cristo, mas esta distinção já havia desaparecido no tempo em que o Evangelho de São Mateus foi traduzido para o grego. A diferença de significados existe, apenas, no grego ático, mas o NT foi escrito em grego Koiné – um dialeto totalmente diferente. E, no grego koiné, tanto petros quanto petra significam “rocha”. Se Jesus quisesse chamar Simão de “pedrinha”, usaria o termo lithos. (para a admissão deste fato por um estudioso protestante, veja D. Carson, The expositors Bible Commentary [Grand Rapids: Zondervan, 1984], Frank E. Gaebelein, ed., 8: 368).

Porém, ignorando a explicação, insiste o protestante:

Vocês, católicos, por desconhecerem o grego, pensam que Jesus comparava Pedro à rocha. Na verdade, é justamente o contrário. Ele os contrastava. De um lado, a rocha sobre a qual a Igreja seria construída: o próprio Jesus (“e sobre esta PETRA edificarei a Minha Igreja”). De outro, esta mera pedrinha (“Simão tu és PETROS”). Jesus queria dizer que ele mesmo seria o fundamento da Igreja, e que Simão não estava sequer remotamente qualificado para isto.

Católico:

Concordo que devemos ir do português para o grego. Mas, com certeza, você concordará que, igualmente, devemos ir do grego para o aramaico. Como você sabe, esta foi a língua falada por Jesus, pelos apóstolos e por todos os judeus da Palestina. Era a língua corrente da região.

Muitos, talvez a maioria, soubessem grego, pois esta era a língua franca do Mediterrâneo. A língua da cultura e do comércio. A maioria dos livros do NT foi escrita em grego, pois não visavam apenas os cristãos da Palestina, mas de outros lugares como Roma, Alexandria e Antioquia, onde o aramaico não era falado.

Sabemos que Jesus falava aramaico devido a algumas de suas palavras que nos foram preservadas pelos Evangelhos. Veja Mt 27,46, onde ele diz na cruz, “Eli, Eli, Lama Sabachtani”. Isto não é grego, mas aramaico, e significa, “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”

E tem mais: nas epístolas gregas de S. Paulo (por 4 vezes em Gálatas e outras 4 vezes em 1Coríntios), preservou-se a forma aramaica do novo nome de Simão. Em nossas bíblias, aparece como Cefas. Isto não é grego, mas uma transliteração do aramaico Kepha (traduzido por Kephas na forma helenística).

E o que significa Kepha? Uma pedra grande e maciça, o mesmíssimo que petra. A palavra aramaica para uma pequena pedra ou pedrinha é evna. O que Jesus disse a Simão em Mt 16,18 foi “tu és Kepha e sobre esta kepha construirei minha igreja.”

Quando se conhece o que Jesus disse em aramaico, percebe-se que ele comparava Simão à rocha; não os estava contrastando. Podemos ver isto, vividamente, em algumas versões modernas da bíblia em inglês, nas quais este versículo é traduzido da seguinte forma: ‘You are Rock, and upon this rock I will build my church’. Em francês, sempre se usou apenas pierre tanto para o novo nome de Simão, quanto para a rocha.

Protestante:

Se kepha significa petra, porque a versão grega não traz “tu és Petra e sobre esta petra edificarei a minha Igreja”? Por que, para o novo nome de Simão, Mateus usa o grego Petros que possui um significado diferente do petra?

Católico:

Porque não havia escolha. Grego e aramaico têm diferentes estruturas gramaticais. Em aramaico, pode-se usar kepha nas duas partes de Mt 16,18. Em grego, encontramos um problema derivado do fato de que, nesta língua, os substantivos possuem terminações diferentes para cada gênero.

Existem substantivos femininos, masculinos e neutros. A palavra grega petra é feminina. Pode-se usá-la na segunda parte do texto sem problemas. Mas não se pode usá-la como o novo nome de Simão, porque não se pode dar, a um homem, um nome feminino. Há que se masculinizar a terminação do nome. Fazendo-o, temos Petros, palavra já existente e que também significava rocha. (Obs da Barca de Jesus: Estrutura semelhante ocorre na língua portuguesa: Pedro e pedra.)

Por certo, é uma tradução imperfeita do aramaico; perdeu-se parte do jogo de palavras. Mas, em grego, era o melhor que poderia ser feito.

Além da evidência gramatical, a estrutura da narração não permite uma diminuição do papel de Pedro na Igreja. Veja a forma na qual se estruturou o texto de Mt 16,15-19. Jesus não diz: “Bendito és tu, Simão. Pois não foi nem a carne nem o sangue que te revelou este mistério, mas meu Pai, que está nos céus. Por isto, eu te digo: és uma pedrinha insignificante, e sobre a rocha edificarei a minha Igreja. … Eu te darei as chaves do reino dos céus.”

Ao contrário, Jesus abençoa Pedro triplamente, inclusive com o dom das chaves do reino, mas não mina a sua autoridade. Isto seria contrariar o contexto. Jesus coloca Pedro como uma forma de comandante ou primeiro ministro abaixo do Rei dos Reis, dando-lhe as chaves do Reino. Como em Is 22,22, os reis, no AT, apontavam um comandante para os servir em posição de grande autoridade, para governar sobre os habitantes do reino. Jesus cita quase que verbalmente esta passagem de Isaías, o que torna claríssimo aquilo que Ele tinha em mente. Ele elevou Pedro como a figura de um pai na família dos cristãos (Is 22,21), para guiar o rebanho (Jo 21,15-17). Esta autoridade era passada de um homem para outro através dos tempos pela entrega das chaves, que se usavam sobre os ombros em sinal de autoridade. Da mesma forma, a autoridade de Pedro foi transmitida, nestes dois mil anos, através do papado.

Irmãos e Irmãs de Jesus?

(Visão Católica e Ortodoxa)
Autor: rev. William G. Most
Trad.: Carlos Martins Nabeto

Mt 13, 55 e Mc 6,3 nomeiam as seguintes pessoas como irmãos de Jesus: Tiago, José (ou Josés – os manuscritos variam na forma) Simão e Judas. Mas, Mt 27, 56 diz que, junto à cruz estava Maria, a mãe de Tiago e José. Mc 15, 40 diz que ali estava Maria, a mãe de Tiago, o menor, e José. Logo, embora a prova não seja conclusiva, parece que os dois primeiros, Tiago e José, (ou Joses), – exceto se supormos que estes eram outras pessoas com os mesmíssimos nomes – eram filhos de outra mãe, e não da Mãe de Jesus.

Vemos aqui que o termo “irmão” foi usado para indicar aqueles que não eram filhos de Maria, a Mãe de Jesus. Do mesmo modo, facilmente poderia ter ocorrido o mesmo com os outros dois “irmãos“, Simão e Judas. Além disso, se Maria tivesse outros filhos e filhas naturais no tempo da crucifixão, seria estranho Jesus ter pedido a João para que cuidasse dela. Especialmente porque Tiago, o “irmão do Senhor” ainda estava vivo em 49 d.C. (cf. Gl 1, 19); certamente ele poderia ter cuidado dela… Lot, que era sobrinho de Abraão (cf. Gn 11, 27-31), é chamado de “seu irmão” em Gn 13, 8 e 14, 14-16. O termo hebraico e aramaico ah era usado para expressar vários tipos de graus de parentesco (v. Michael Sokoloff, A Dictionary of Jewish Palestinian Aramaic”, Bar Ilan University Press, Ramat-Gan, Israel, 1990, p.45). O hebraico não tem palavra para parentes. Eles poderiam dizer ben-dod para expressar filho de um tio por parte de pai, mas para outros graus de parentesco eles precisavam construir uma frase complexa, tal como “filho do irmão de sua mãe” ou “filho da irmã de sua mãe” (para consultar expressões complexas do aramaico, v. Sokoloff, pp. 111 e 139).

Objeção 1: não deveríamos usar o hebraico, já que o grego possui um termo para designar primo e outros tipos de parentes, também os Evangelhos não se utilizam de outras palavras específicas para designar os parentes de Jesus. Eles usam somente o termo grego adelphos, o que significa irmão real.

Resposta: A Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento hebraico, (cuja abreviatura padrão é LXX), usa o grego adelphos para Lot que, como vimos acima, era, na verdade, sobrinho. Além disso, os escritores dos Evangelhos e Epístolas sempre tinham em mente as palavras hebraicas, mesmo quando escreviam em grego. Isto vale principalmente para São Paulo. E, como podemos ver atualmente, há uma forte evidência de que São Lucas, em certos pontos, estava traduzindo documentos hebraicos – dois tipos de hebraico [hebraico e aramaico] – com grande cuidado. A LXX, para Mal 1, 2-3, traduz: “Eu amei Jacó e odiei Esaú”. São Paulo, em Rm 9, 13, cita exatamente da mesma forma que a tradução grega. Ainda que os tradutores da LXX conhecessem o hebraico e o grego – e assim também Paulo – utilizaram um modo muito estranho de expressão, modificando potencialmente a expressão hebraica.

Como isso aconteceu? O hebraico e o aramaico carecia dos graus de comparação (tais como: bom, melhor, o melhor; claro, mais claro, claríssimo) e, então, precisava-se encontrar outra forma de expressar as idéias. Enquanto nós poderíamos dizer: “Amo mais a um que a outro”, o hebreu diria: “Amo a um e detesto o outro”. Em Lc 14, 26, Nosso Senhor nos diz que devemos “odiar nossos pais” é óbvio, porém, que quer dizer que devemos amar mais a Cristo do que a nossos pais. De forma semelhante, em 1Cr1, 17, Paulo afirma: “Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar”; só que o próprio Paulo já havia declarado ter batizado algumas pessoas; logo, o que realmente queria dizer é: “Minha missão mais importante é pregar; batizar é menos importante”. São Paulo, em 1Tes 4, 5 diz que os gentios “não conhecem a Deus”. Ele usa o termo “conhecer” no sentido do hebraico yada, um termo amplo que significa conhecer e amar. De fato, não são raras as vezes em que podemos afirmar que certa palavra hebraica encontrava-se na mente de São Paulo, que se expressava em grego.

Todos os estudiosos admitem que o Evangelho de São Lucas possui mais semitismos que os livros escritos por outros semitas (Lucas não era semita, mas médico de origem grega). Por quê? A princípio, parece que Lucas escrevia assim para imitar o estilo da LXX, mas, em um estudo que fiz (v. meu artigo “São Lucas imitava a Septuaginta?”, publicado no Jornal [Internacional] de Estudos do Novo Testamento, jul./1982, pp.30-41, editado pela Universidade de Sheffied, Inglaterra), mostrei, estatisticamente, que Lucas não tentava imitar a Septuaginta. Eu fiz um estudo de um semitismo bem estranho em Lucas: o aditivo kai, que reflete o aditivo hebraico wau. Eis um exemplo tirado de Lc 5, 1: “E isto aconteceu quando as multidões se apertavam para ouvir dele a palavra de Deus e ele se encontrava de pé junto ao Lago [de Genesaré]”. A palavra “e”, grifada em itálico, poderia existir no hebraico, mas não no grego, nem mesmo no aramaico. Pela contagem real, São Lucas usa este “e” somente de 20 a 25% das vezes que poderia usá-lo, se estivesse imitando a Septuaginta. Certamente, não foi esta a razão de seu uso.

Então por que ele a empregou assim? Em linhas gerais, São Lucas nos diz que tomou grande cuidado, conversou com testemunhas oculares e checou relatos escritos sobre Jesus. Estes relatos escritos poderiam estar em grego (alguns judeus sabiam se comunicar em grego), hebraico ou aramaico. Logo, seria possível que São Lucas tivesse usado relatos escritos nessas linguagens. O problema não seria perceptível no grego se fossem usadas fontes gregas, é lógico; mas se ele usou, em certos momentos, documentos hebraicos, e se ele os traduziu com extremo cuidado – tão extremo a ponto de manter a estrutura hebraica no texto grego, onde não existiria – então poderíamos afirmar que foi dessa forma que ele resolveu fazer. As estranhas estruturas que encontramos – também anormais no aramaico – usadas por São Lucas em alguns pontos, mas não em outros, parecem demonstrar a existência de documentos hebraicos, traduzidos com extremo cuidado. Lucas sabia como escrever em grego culto, como demonstra certas passagens. Mas por que escreveu assim? Certamente por causa de seu extremo cuidado, para ser fiel aos textos originais que usava. Portanto, precisamos conhecer o hebraico fundamental para compreendermos a questão corretamente (o “e” é omitido nas traduções das linguagens modernas, como o inglês; o problema só é verificável quando lemos São Lucas na língua grega original).

Há uma palavra importante em Rm 5,19, que diz que “muitos” se tornaram pecadores (= pecado original). É óbvio, porém, que São Paulo se referia a “todos”. De fato, o grego usa polloi; no grego comum, sempre significa muitos, mas não todos. Entretanto, se conhecermos o hebraico que estava na mente de Paulo, tudo torna-se claro. Havia uma estranha palavra, rabbim, que aparece pela primeira vez em Is 53, na profecia da Paixão. Pelo contexto, percebemos claramente que significa todos, ainda que também signifique muitos, para ser mais exato ela significa todos dos que são muitos. Por exemplo, se eu estiver em uma sala com outras três pessoas, eu poderia dizer todos, mas não poderia dizer muitos; agora, se usarmos uma concordância grega para encontrarmos todas as citações em que São Paulo usa a palavra polloi como substantivo, veremos, pelo contexto, que sempre – sem exceção – significará todos; é o caso de Rm 5, 19. Assim, precisamos retornar ao hebraico para compreender o termo grego usado aqui por Paulo.

Em outras partes, São Paulo freqüentemente faz uso do termo grego dikaiosyne não na forma estrita utilizada pelo sentido grego, mas na forma ampla do sentido hebraico de sedaqah. Há muitos outros lugares no Novo Testamento onde devemos considerar o fundamento hebraico para obter o sentido correto do grego. Demos apenas alguns exemplos que são suficientes para mostrar como os escritores do Novo Testamento trabalharam e a necessidade de se evitar que entendamos somente o que diz o grego (que insiste que devemos ignorar o fundamento hebraico, afirmando que o grego possui palavras próprias para designar primos e outros parentes, ao contrário do hebraico).

Objeção 2: J. P. Meier, em “A Marginal Jew” (Doubleday, 1991, pp.325-326) afirma que “o novo Testamento não é uma tradução grega”; assim, o termo hebraico usado para referir-se a irmão não pode ter gerado uma “desastrosa” tradução.

Resposta: Muitos estudiosos crêem que parte ou até mesmo todos os Evangelhos são traduções gregas. A evidência citada acima, no “Jornal de Estudo do Novo Testamento” contribui para demonstrar isso. Em adição, temos evidências extensivas mostrando que, apesar dos autores não terem feito uma tradução, eles muitas vezes usavam palavras gregas com o significado do pensamento hebraico fundamental. Isto é especialmente notável em Paulo, ainda que Meier afirme que Paulo não estava fazendo uma tradução, bem como conhecia “Tiago, o irmão do Senhor”, em pessoa.

Meier também assegura (pp.327-328) que Josefo, um judeu que escreveu em grego, várias vezes utiliza a palavra correta para designar primo, mas usa a palavra irmão para indicar os “irmãos de Jesus”. Concordamos que Josefo assim se expressa. No entanto, será que Josefo possuía informação direta acerca da real natureza dos “irmãos” de Jesus? É óbvio que não. Meier também não analisa a questão sob este ponto de vista…

Objeção 3: Meier afirma (p. 323) que se quisermos que ah signifique primo, então deveríamos ler Mt 12, 50 assim: “Todo aquele que faz o desejo de meu Pai que está nos céus é meu primo, prima e mãe”. De maneira similar (p.357), ele diz que Mc 3, 35 deveria então ser lido: “Nem seus primos acreditavam nele”.

Resposta: Meier parece ser deliberadamente cego nestes pontos. Ora, se ah possui um significado amplo, poderíamos então mantê-lo na tradução, não apenas limitando-o a primo; poderia ser primo, mas também qualquer outra espécie de parente.

Objeção 4: Em Mt 1, 25, os protestantes apontam para duas palavras: até que e primogênito.

Resposta: “Até que”: muitas palavras antigas têm diversos significados possíveis. Às vezes a palavra “até que” abrange o tempo posterior ao indicado mas nem sempre isso acontece. Em Dt 34, 6, Moisés foi enterrado “e até hoje ninguém sabe onde se encontra sua sepultura”. Isto era verdade no dia em que o autor do Deuteronômio relatou o fato; e continua sendo verdade ainda hoje. No Sl. 110, 1, conforme interpretado pelo próprio Jesus, “o Senhor disse ao meu Senhor (= de Davi): ‘Senta à minha mão direita até que eu coloque os teus inimigos sob os teus pés'”. Obviamente, Jesus sempre estará à direita do Pai; logo, a palavra até que jamais significará uma mudança de estado. O Sl 72, 7, um salmo messiânico, diz que em seus dias “a paz abundará até a lua não mais existir”. Aqui novamente, o poder do Messias jamais deixará de existir ainda que a lua deixe de brilhar (Mt 24, 29). Em 2Sm 6, 23, diz-se que “Mical, esposa de Davi, não terá mais filhos até o dia de sua morte”. Logicamente, ela não os terá mesmo após sua morte! Em Mt 11,3, Nosso Senhor diz que se os milagres feitos em Cafarnaúm tivessem sido feitos em Sodoma, “ela teria durado até o presente dia”. Isso não significa que Jesus a destruiria logo a seguir. Em Mt 28, 20, Jesus promete que permanecerá com sua Igreja e seus seguidores “até o fim do mundo”. Será que deserdará depois, na eternidade? Em Rm 8, 22, São Paulo diz que toda a Criação suspira, esperando pela revelação dos filhos de Deus até os seus dias (de Paulo). Nem por isso ele irá para sua missão, mas continuará até a restauração final. Em 1Tm 4, 13, o apóstolo pede para que Timóteo se devote à leitura, exortação e ensinamento “até eu (Paulo) chegar”. Isso não quer dizer que Timóteo deveria parar de fazer tais coisas após a chegada de Paulo. E existe muitos outros exemplos, embora estas poucas citações sejam suficientes para demonstrar que a expressão “até que”, no Antigo e no Novo Testamento, significa uma mudança de coisas que está para acontecer segundo o ponto a que se refere.

Até mesmo J.P. Meier, que trabalha estressantemente para tentar provar que Jesus tinha irmãos naturais, admite que o argumento baseado na expressão “até que” nada prova (em CBQ – jan./1992, pp.9-11).

Primogênito: Jesus é assim chamado em Lc 2, 7 (e também em Mt 1, 25, se considerarmos a adição ao texto grego encontrada na Vulgata latina). Este termo se refere ao hebraico bekor, que expressa principalmente a posição privilegiada do primeiro filho com relação aos demais filhos. Não implica, porém, na existência real de outros irmãos. Podemos ler numa inscrição grega encontrada numa sepultura em Tel el Yaoudieh (cf. Biblical 11, 1930, pp.369-390) que uma mãe faleceu ao dar à luz ao seu filho: “Nas dores do parto de meu filho primogênito, o destino me trouxe o fim da vida”. No mesmo sentido, existe outro epitáfio em Leontópolis (v. “Biblical Archaeology Review,” Set.-Out./1992, p.56).

Objeção 5: Alguns escritores cristãos primitivos dizem que os irmãos do Senhor eram irmãos reais.

Resposta: Meier, que tão diligentemente coleta todos os dados que possam servir para contestar a virgindade de Maria após o nascimento de Jesus, menciona apenas quatro:

  1. Hegésipo, no séc. II – Mas Meier admite (p. 329): “…tal testemunho não está livre de problemas e possíveis auto-contradições”;
  2. Tertuliano – Contudo, Meier reconhece que isto ocorria porque queria “reforçar sua posição ao ponto de vista docético sobre a humanidade de Cristo”; tal desejo fez com que fizesse tal afirmação.De fato, Tertuliano, com a mesma predisposição, afirmou que a aparência do corpo de Cristo era horrível! (Sobre o Corpo de Cristo, cap.9) Realmente ele era um extremista, como se comprova pelo fato de que não sendo os montanistas tão severos quanto à moralidade, acabou por fundar sua própria sub-seita;
  3. Meier também sugere que duas passagens de Santo Ireneu (séc.II) podem implicar na negação da virgindade pós-parto: na primeira Ireneu faz um paralelo entre Adão e Cristo, para segurança de sua “teologia da recapitulação”; na segunda, Ireneu desenvolve o tema da nova Eva. É difícil, porém, encontrar nessas passagens qualquer dica que negue a virgindade pós-parto. O próprio Meier admite que a interpretação desses textos são improváveis;
  4. Helvídio, no séc.IV [totalmente refutado por São Jerônimo]. Estes textos, contudo, são desprezíveis se comparados com o extenso suporte patrístico que favorecem a tese da virgindade perpétua (cf. “Marian Studies,” VIII, 1956, pp. 47-93).

Por isso, em seu sumário de conclusões (pp. 331-332), Meier não faz qualquer menção a estes escritores da Igreja primitiva.

Objeção 6: Meier (p.331) diz que devemos seguir o critério do múltiplo atestado: Paulo, Marcos, João, Josefo e talvez Lucas atestam a existência dos irmãos de Jesus.

Resposta: Isto nada mais é que o retorno ao início da questão. Méier não provou que qualquer um destes “irmãos” seja, de fato, um irmão real de Jesus. Meier acrescenta que o sentido natural de irmão é o que indica irmão real, mas já vimos na segunda resposta (acima), que tal sentido não é absolutamente obrigatório. Ele também afirma que não existe outro caso claro no Novo Testamento que possa admitir outro significado, a não ser irmão real ou meio-irmão. Novamente ele acaba retornando ao início do problema pois não consegue provar que algum desses textos possa significar irmão real.

O próprio Meier reconhece (p. 331) que “todos estes argumentos em conjunto não podem produzir uma certeza absoluta”. Nós acrescentamos: em Mc 3, 20-21, os parentes de Jesus vão até ele para prendê-lo – os irmãos mais novos não poderiam tomar tal atitude na cultura semita, pois Jesus era o primogênito. E, quando Jesus contava com 12 anos ao visitar o Templo de Jerusalém, seus irmãos mais novos deveriam acompanhá-lo (exceto as irmãs), se de fato existissem, de outra forma Maria teria ficado em casa cuidando dos filhos mais novos. Vemos, assim, que não há evidências sólidas na Escritura que nos permitam supor que Nossa Senhora tenha tido outros filhos. Há, por outro lado, respostas lógicas para todas as objeções formuladas. Porém, a razão decisiva é o ensino da Igreja; os credos mais antigos chamam Maria de aeiparthenos, ou seja, “sempre Virgem“.

Meier parece querer usar um machado para cavar… Em seu longo artigo publicado na CQP (1992, pp. 1-28), ele diz, na última página, que deveríamos perguntar se a hierarquia das verdades não nos deixaria aceitar protestantes dentro da Igreja Católica sem que pedíssemos a eles para que acreditassem na virgindade perpétua de Nossa Senhora. De fato, existe uma hierarquia de verdades, algumas mais básicas que outras. Mas isso não significa, em absoluto, que possamos incentivar a negação de uma doutrina que vem sendo repetidamente ensinada pelo Magistério Ordinário, bem como pelos mais antigos credos (portanto, infalíveis). Realmente, se alguns protestantes querem aderir à Igreja sem aceitar a autoridade do Magistério, então jamais serão católicos de fato, ainda que aceitem todos os demais ensinamentos. Aceitar realmente a autoridade significa aceitar tudo, e não quase tudo.

Até mesmo Meier, tão inclinado à negação da virgindade perpétua, admite (pp.340-341) que existe uma estranha tradição rabínica que diz que Moisés, após seu primeiro contato com Deus, deixou de se relacionar sexualmente com sua esposa. Isto aparece primeiro em Filo de Alexandria e foi suportado, depois, pelos rabinos. Ora, se Moisés, em virtude de um contato externo com Deus, agiu dessa maneira, porque então não poderia ocorrer o mesmo com Nossa Senhora, que foi preenchida pela divina presença para a concepção de Jesus e carregou a própria Divindade em seu ventre durante nove meses? De fato, Lutero e Calvino, como Méier reconhece (p.319), aceitaram a doutrina da virgindade perpétua de Maria.

Por que, então, Meier luta tanto contra ela? Realmente, os protestantes, se forem lógicos, não podem apelar para provas bíblicas, a partir do momento em que nem mesmo têm como determinar quais livros são inspirados. Lutero achava que, se um livro pregasse a justificação somente pela fé, então ele era inspirado, caso contrário, não. Mas, lamentavelmente, ele nunca conseguiu provar que isso era verdade (tanto ele quanto eu poderíamos escrever livros sobre o assunto e nem por isso seriam inspirados) eis que vários livros da Bíblia não mencionam a justificação pela fé… É que, infelizmente, Lutero não sabia o que São Paulo queria dizer com a palavra fé. (sobre este assunto, consultar a obra fundamental do Protestantismo: “Interpreter’s Dictionary of the Bible”, Supplemento, p.333).

Fonte: http://www.ecclesia.com.br/

São autênticos os evangelhos que conhecemos?

Um livro histórico – como são os evangelhos – merece credibilidade quando reúne três condições básicas: ser autêntico, verídico e íntegro. Quer dizer, quando o livro foi escrito na época e pelo autor a que se atribui (autenticidade), quando o autor do livro conheceu os acontecimentos a que se refere e não quer enganar seus leitores (veracidade), e, por último, quando chegou até nós sem alteração substancial (integridade).

E os evangelhos são autênticos, em primeiro lugar, porque só um autor contemporâneo a Jesus Cristo ou discípulo imediato seu poderia escrevê-los: leva-se em conta que no ano 70 Jerusalém foi destruída e a nação judaica desterrada em massa, dificilmente um escritor posterior, com os meios que então havia, tenha podido descrever os lugares; ou de modo similar os hebraismos que figuram no grego vulgar em que esta redigido quase todo o Novo Testamento; ou inventar as descrições que aparecem, tão ricas em detalhes históricos, topográficos e culturais, que foram confirmadas pelos sucessivos achados arqueológicos e os estudos sobre outros autores daquele tempo. Os fatos mais notórios da vida de Jesus são perfeitamente comprováveis mediante outras fontes independentes de conhecimento hostórico.

Com respeito à integridade dos evangelhos, nos encontramos frente a uma situação privilegiada, pois desde os primeiros tempos os cristãos fizeram numerosas cópias em grego e latim, para o culto litúrgico e a leitura e meditação das escrituras.

Graças à isto, testemunhas documentais do Novo Testamento são abundantíssimos: na atualidade se conhecem mais de 6.000 manuscritos gregos; há além disso uns 40.000 manuscritos de traduções antiquíssimas em diversas línguas (latim, copta, armênio, etc.), que dão fé ao texto grego que esteve à vista os tradutores; nos chegaram 1.500 lecionários de Missas que contém a maior parte do texto dos evangelhos distribuído em lições ao longo de todo o ano; e a tudo isto deve-se acrescentar as freqüentíssimas citações do evangelho de escritores antigos, que são como fragmentos de outros manuscritos anteriores perdidos para nós.

Toda esta variedade e extensão de testemunhos dos evangelhos constituem uma prova historicamente incontrovertível. Se o comparamos, por exemplo, com o que conhecemos das grandes obras clássicas, veríamos que os manuscritos mais antigos que se conservam destas obras são muito mais distantes da época de seu autor. Por exemplo: Virgílio (século V, uns 500 anos), Horácio (século VIII, mais de 900 anos despois), Platão (século IX, uns 1400), Júlio César (século X, quase 1100), e Homero (século XI, da ordem de 1900 depois). Entretanto, há papiros dos evangelhos em datas muito mais próximas de sua redação original (pode-se dizer que hoje em dia, graças aos avanços dos estudos filológicos, podem ser datados com grande precisão): o Códice Alexandrino, uns 300 anos depois; o Códice Vaticano e o Sinaítico, uns 200; o papiro Chester Beatty, entre 125 e 150; o Bodmer, aproximadamente 100; e o papiro Rylands, finalmente, dista tão somente 25 ou 30 anos.

Certeza total?

Pois bem, há quem duvide da certeza total dos evangelhos já que os manuscritos são muitos e muito antigos e os copistas poderiam fazer interpolações ou deformar algumas passagens.

Entretanto, havendo tantísimas cópias e de procedência tão diversa (são dezenas de milhares, em vários idiomas e encontradas em lugares e datas muito distantes), é facílimo desmascarar o copista que faz alguma alteração do texto, porque difere das demais cópias que chegam por outras vias. Apareceram de fato, um reduzido número de falsificações ou cópias apócrifas; mas sempre tem-se detectado com facilidade, graças à prodigiosa coincidência do resto das versões.

Assim vem-se comprovando ao longo do próprio proceso histórico de descobrimento dos diversos manuscritos: por exemplo, no século XVI foram feitas numerosas edições impressas baseadas em profundos estudos críticos sobre cópias manuscritas algumas das quais se remontavam até o século VIII, que era o mais antigo que conheciam até então; posteriormente foram encontrados códices dos séculos IV e V, e concordavam substancialmente com aqueles textos impressos; mais adiante, desde o século XIX até nossos dias, foram encontrados cerca de cem novos papiros escritos entre os séculos II e IV, a maioria procedentes do Egito, que também coindiram de forma realmente surpreendente com as cópias que havia.

Levando em conta as diversíssimas procedências de cada um desses documentos – repetindo que são dezenas de milhares – cabe deduzir que a prodigiosa coincidência de todas as versões que nos têm chegado é um testemunho esmagador da veneração e fidelidade com que foram conservados os evangelhos ao longo dos séculos, assim como da sua autenticidade e integridade indiscutíveis.

O Novo Testamento é, sem qualquer comparação com outra obra literária da antiguidade, o livro melhor e mais abundantemente documentado.

É verdade o que contam os evangelhos?

Sobre a veracidade dos evangelhos, poderiam ser apontadas inúmeras razões. Pascal, referindo-se ao testemunho que os primeiros cristãos deram com sua vida, dá um argumento muito simples e convincente: “Creio com mais facilidade nas histórias cujas testemunhas se deixaram martirizar em comprovação de seu testemunho”.

Terem morrido por ser fiéis aos ensinamenteos dos evangelhos outorga a estas pessoas uma forte garantia de veracidade (pelo menos se conhecem poucos mentirosos que tenham morrido para defender suas mentiras).

Por outro lado, é bastante chamativo, por exemplo, que os evangelistas não calem seus próprios defeitos nem as representações recebidas de seu maestro, assim como relatem fatos embaraçosos para os cristãos, que um falsificador poderia ter ocultado.

Por que não foram corrigidos, ou ao menos suavisados um pouco, as passagens mais delicadas? Que razões há, por exempo, para que se narre a traição e dramática morte de Judas, um dos doze apóstolos, escolhido pessoalmente por Jesus Cristo? Houve – aponta Vittorio Messori – muitas oportunidades para omitir esse episódio, que desde o início foi motivo de escárnio contra os cristãos (Que classe de profeta é este – ironizava Celso – que não sabe sequer escolher seus seguidores?); entretanto, a passagem chegou inalterada até nós.

A única explicação razoável é que este fato, por mais desgraçado que fosse, ocorreu realmente. Os evangelistas estavam obrigados a respeitar a verdade porque, do contrário – e deixando margem a outros motivos – as falsificações seriam denunciadas por seus contemporâneos. Os cristãos foram naqueles tempos objeto de escárnio, considerados loucos, mas não se colocou em discussão que o que predicavam não correspondia à verdade do que sucedeu.

Além disso, postos a inventar – continua Messori – dificilmente os evangelistas teriam idealizado episódios como a fuga dos apóstolos na Paixão, a tripla negação de Pedro, as palavras de Cristo no Horto das Oliveiras ou sua exclamação na cruz (“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”), fatos que ninguém teria ousado escrever se não tivessem sido escrupulosamente reais: tão contrários eram à idéia de um Messias, vitorioso e potente, arraigada à mentalidade judaica da época.

Frente a contrastes deste tipo, o próprio Rousseau, nada suspeitoso de simpatia para com a fé católica, costumava afirmar, falando dos evangelhos: Invenções…? Amigo, assim não se inventa.

A maioria dos argumentos com que estes últimos séculos têm se dirigido contra a veracidade dos evangelhos parecem ditados por um preconceito ideológico. E toda essa forte crítica, que em alguns momentos pareceu por em crise a fé tratando de eliminar a sua base histórica, tem conseguido apenas , como resposta, fortalecê-la. Um grande número de sucessivos descobrimentos foram varrendo pouco a pouco toda a nuvem de hipótese que tinha se formado contra ela.

A nuvem que agora paira no ambiente é de que a suspeita de muitos daqueles grandes desmitificadores da fé não tenha tido sucesso, e finalmente ser, na realidade, uns grandes inventores de mitos em torno à interpretação dos evangelhos (mitos que naqueles anos ninguém ousava discutir). Hoje – assegura Lucien Cerfaux, prestigiado especialista de exegese bíblica – depois de dois séculos de ensinamento crítico, estamos descobrindo com surpresa que, possivelmente, o modo mais “científico” de ler os evangelhos é lê-los com simplicidade.

Fonte: ACI Digital

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