Mais terrível que as tempestades que agitam a barca de Pedro é a cegueira de quem pensa que nada está acontecendo

O barco da Igreja tem enfrentado um mar bravio e são muitos os tripulantes a abandonar a segurança de estar cum Petro et sub Petro para uma aventura perigosa em outras navegações. “Não se tem mais confiança na Igreja; põe-se confiança no primeiro profeta profano que nos vem falar em algum jornal ou em algum movimento social, para recorrer a ele pedindo-lhe se ele tem a fórmula da verdadeira vida”, dizia o Papa Paulo VI. Foi constatando esta realidade que o otimista Papa Montini declarou, com lamento, que “por alguma brecha a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus”01.

Não há por que esconder isto: o ambiente eclesial passa por uma verdadeira crise. Negá-la significaria edificar um otimismo irrealista, que só anestesiaria e deixaria ainda mais inertes os seguidores de Jesus Cristo. Eles precisam tomar consciência de que, além do combate espiritual do dia-a-dia, no decorrer do qual correm o risco de perder a sua alma eternamente, há uma guerra cultural sendo travada, guerra que já tomou todos os setores da vida pública, desde a mais inocente escola de jardim até os mais altos tribunais de justiça do mundo. E, se é assim, não há dúvida que cabe à Igreja, enquanto realidade ainda imersa nas realidades seculares, uma dramática responsabilidade por tudo isto. Melhor dizendo, se esta “crise de valores” impregnou tão fortemente o convívio social, certamente não deixou de afetar a Igreja, cuja contribuição para a Civilização se ofusca com a obra de alguns trabalhadores negligentes, preguiçosos ou, muitas vezes, comprometidos com o mal.

O filósofo Olavo de Carvalho diz: “Ao confessar que (…) ‘a fumaça de satanás entrara pelas janelas do Vaticano’, o papa Paulo VI esqueceu de observar que isso só podia ter acontecido porque alguém, de dentro, deixara as janelas abertas”02.

Não é preciso ir muito além para perceber que inúmeras ovelhas, ao redor do mundo, ao invés de serem apascentadas por bons pastores – exemplos do Pastor supremo das almas, Jesus Cristo –, eram conduzidas e ameaçadas por lobos vorazes. Estes lobos vestidos em pele de cordeiro, ao invés de oferecer aos filhos da Igreja o seu ensinamento de dois mil anos, o seu riquíssimo patrimônio espiritual e o valoroso exemplo dos santos, deixavam perdidas as ovelhas com um falso evangelho que eles mesmos tinham inventado. Enquanto a tábua dos Dez Mandamentos era pisoteada e destruída, em nome de um mundo novo nesta terra, eles trocavam o Credo Apostólico pelas Teses de Abril03, os Sacramentos católicos pela foice e pelo martelo. Clamavam “paz”, “justiça social” e “doçura”, enquanto o rebanho era espiado, coagido e assassinado.

Foi destes falsos pastores que São Paulo falou quando anteviu a vinda de um “tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas” (2 Tm 4, 3-4). Mais claro que isto, impossível. Esta verdade pode ser facilmente observada por quem não esteja anestesiado ou cegado por uma ilusão infantil de que “tudo está bem” e “tudo é maravilhoso”.

Esta mentalidade de jogar panos frios em água quente foi recorrente em muitos ambientes cristãos nas últimas décadas. Pensou-se estar inaugurando na Igreja um “novo Pentecostes”. A perspectiva de muitas pessoas na década de 1960 e também nas gerações seguintes era que se vivia uma “primavera” na Igreja. Ao contrário, hoje se experimenta o que o Cardeal Walter Kasper chamou de “uma Igreja com aspecto de inverno”, com “claros sinais de crise”04.

A terrível situação pela qual a Igreja passa neste século é real, mas não deve ser motivo de desespero. O próprio Cristianismo nasceu em crise. Jesus chamou doze apóstolos para estarem com Ele, mas, aos pés da Cruz, apenas o discípulo que ele amava permaneceu firme – isto sem falar da infidelidade de Judas, que traiu Jesus, e do próprio São Pedro, primeiro Papa, que O negou três vezes. “Também hoje, a barca da Igreja, com o vento contrário da história, navega através do oceano agitado do tempo. Frequentemente dá a impressão de que vai afundar. Mas o Senhor está presente, e vem no momento oportuno”05. Permanece viva no coração da Igreja a promessa de nosso Senhor de que contra ela “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16, 18).

Por Equipe Christo Nihil Praeponere

Referências

  1. IX anniversario dell’incoronazione di sua Santità – Omelia di Paolo VI, 29 giugno 1972
  2. CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2013. p. 212. Artigo disponível online neste link
  3. As famosas “Teses de Abril” foram diretivas emitidas pelo líder bolchevique Vladimir Lênin, antes da Revolução de Outubro de 1917, nas quais lançava novas políticas comunistas, resumidas na tríade: paz, terra e pão.
  4. Um concílio ainda em caminho.
  5. BENTO XVI, Jesus de Nazaré