O que é o novo Califado e mais 9 fatos que você precisa conhecer

Um grupo de jihadistas cuja base fica na Síria invadiu recentemente a fronteira e irrompeu com fúria pelo norte do Iraque, arruinando em apenas uma semana os anos de esforços que estavam finalmente conseguindo instaurar na região uma relativa paz e estabilidade.

Quem são essas pessoas e o que elas realmente querem?

Trata-se de um grupo de extremistas que vem sendo chamado de Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) ou Estado Islâmico do Iraque e da Síria (EIIS). No último domingo, 29 de junho, eles próprios começaram a se chamar, porém, de “O Estado Islâmico” (EI), anunciando ao mesmo tempo a “restauração do califado”.

Nem a imprensa nem os especialistas em terrorismo ratificaram ainda a existência de fato desse califado. Por isso, vamos continuar nos referindo ao grupo como EIIL (alguns veículos de mídia adotam a sigla ISIL, usada em inglês).

É crucial conhecermos melhor o EIIL, um grupo que apresenta uma combinação única de selvageria e poderio técnico e que “envia recados” ao mundo usando tanto as mídias sociais quanto a crucificação dos inimigos.

1. Quem está no comando?

Ele nasceu como Ibrahim al-Badri, em Samarra, e estudou teologia em Bagdá. Adotou o nome de Abu Bakr al-Baghdadi e “saiu do anonimato para se tornar o temido líder do EIIL”, de acordo com a rede de TV Al Jazeera. No último domingo, Ibrahim al-Badri se proclamou Califa Ibrahim.

2. O que significam todas essas mudanças do nome do grupo?

Ao excluir as palavras Iraque, Síria e Levante do nome do grupo, eles pretendem dizer que o recém-proclamado “califa” está afirmando o seu poder temporal para além dos territórios desses países. Ou seja, para o mundo inteiro.

3. O que é um califado?

Simplificando, é um governo chefiado por um “califa”, termo em árabe que significa “sucessor”. No caso, sucessor de ninguém menos que o profeta Maomé. Portanto, Ibrahim afirma ser o líder religioso e político mundial e supremo de absolutamente todos os muçulmanos do planeta, que somam cerca de 1,5 bilhão de pessoas. O califa seria um líder a quem TODOS devem obediência.

4. Além da tentativa de unificar todos os muçulmanos sob um mesmo líder, existe alguma outra razão para o estabelecimento deste califado?

Várias. Primeiro, Ibrahim provavelmente espera finalizar a conquista do Iraque mais rápido convencendo todos os sunitas iraquianos a deporem as armas e se juntarem à causa do Estado Islâmico (EI). Uma recente mensagem do EI foi clara: “A legalidade de todos os emirados, grupos, estados e organizações se torna nula com a expansão da autoridade do califa e com a chegada das suas tropas às suas áreas”, declarou o porta-voz do grupo, Abu Mohamed al-Adnani. “Ouçam o seu califa e obedeçam-no. Apoiem o seu estado, que cresce a cada dia”.

Segundo, um califado real, nos sonhos dos jihadistas, serviria como patrocinador do terrorismo, aproveitando-se de riquezas e de mão-de-obra para travar a jihad global até que o mundo todo esteja convertido, morto ou pagando o jizya (tributos que protegem o pagante não muçulmano da morte).

5. Qual é a probabilidade de Ibrahim realizar o seu plano de hegemonia global?

Independentemente da lealdade que Ibrahim inspirou entre alguns jihadistas impacientes (inclusive nos Estados Unidos), o novo “califa” terá dificuldades para conquistar a fidelidade de 1,5 bilhão de muçulmanos. Mesmo entre o pequeno grupo de muçulmanos sunitas que são jihadistas ou terroristas, o EIIL de Ibrahim foi firmemente condenado. Até a Al-Qaeda criticou publicamente o grupo pela “brutalidade e desejo de matar a todos, inclusive os sunitas que eles consideram traidores da sua religião”.

6. Já não existe um califa entre os sunitas?

Sim, existe o mulá Mohammed Omar Uruzgani, do Afeganistão, que o Talibã e a Al-Qaeda reconhecem como “califa”. O mulá Omar, recentemente, se mostrou ainda ativo ao declarar que a libertação de cinco líderes jihadistas da prisão de Guantánamo em troca do sargento norte-americano Bowe Bergdahl foi “uma grande vitória”.

7. Qual é o tamanho da ameaça representada pelo Califa Ibrahim?

A ameaça é muito, muito grande. A maioria dos cristãos iraquianos fugiu com a aproximação do EIIL. O resto, provavelmente, já foi morto. Entre os desaparecidos, há duas freiras iraquianas e três crianças de um orfanato que elas mantinham na região. O EIIL vem acumulando grandes quantidades de armamento e de dinheiro (429 milhões de dólares só dos bancos que atacaram na cidade iraquiana de Mossul). O grupo também tomou o controle de poços de petróleo na Síria e no Iraque, além da maior refinaria de petróleo do Iraque. Há poucos dias, os combatentes da Frente Nusra, grupo da Al-Qaeda na Síria, que tinha sido o principal rival do EIIL, capitulou e prometeu lealdade a esse mesmo EIIL. Mas o dinheiro, as armas e o petróleo são ameaças pálidas diante do terror que o EIIL representa para os seres humanos inocentes de qualquer fé, por causa do seu estilo particularmente brutal de terrorismo.

8. O que as mulheres sob o regime do Califa Ibrahim podem esperar?

O EIIL anunciou para a província iraquiana de Nínive um “Contrato com a Cidade”. Uma das 16 novas regras, traduzidas e parafraseadas pelo Washington Post, afirma: “Deve-se dizer às mulheres que a estabilidade está dentro de casa e que elas não devem sair a menos que seja necessário. Elas devem permanecer inteiramente cobertas pela veste islâmica”.

Ficar dentro de casa é, sem dúvida, aconselhável, já que, sob o regime da sharia, as mulheres podem ser apedrejadas por delitos como “impropriedade sexual” e “comportamento ocidentalizado”. Estima-se que aconteçam anualmente 5.000 crimes de honra, cometidos por homens ligados às vítimas e “causados” por comportamentos “desonrosos” destas, como querer casar por amor em vez de submeter-se a casamentos arranjados com estranhos que podem ser décadas mais velhos e até já terem uma esposa ou três.

9. As atrocidades atribuídas ao EIIL podem ser forjadas?

Várias denúncias de “crucificações” acabaram se revelando “menos bárbaras” do que tinha sido divulgado, se é que podemos achar “menos bárbaro” que as vítimas sejam assassinadas a tiros antes de ser amarradas à cruz, em vez de crucificadas vivas como seria “próprio” de uma crucificação “tradicional”. Essas atrocidades são cometidas como formas de “mandar um recado”, explica o professor Abba Barzega, especialista em estudos islâmicos da Universidade Estadual da Geórgia, nos EUA. O recado, no caso, é este: “Quem se opõe ao EIIL se opõe ao governo de Deus; quem é inimigo do EIIL é inimigo de Deus e merece a mais alta forma de punição possível”.

Das sete pessoas executadas publicamente há poucos dias em Raqqa, na Síria, apenas dois corpos foram exibidos. As outras cinco vítimas eram adolescentes. Um deles cursava a 7ª série. O professor Barzega prossegue: “O EIIL precisa dar ‘sentido’ a essas mortes. ‘Apenas’ assassinar, num contexto de guerra constante, não teria ‘valor’. Por isso, eles agregam ‘mensagens’ ou ‘propaganda’ às suas ações”. Traduzindo: eles matam com o máximo possível de crueldade para garantir que a “mensagem” seja bem compreendida.

10. Como as pessoas podem saber se estão infringindo alguma dessas leis?

Primeiro, você já está infringindo a lei se não der apoio incondicional ao EIIL. Além do “Contrato com a Cidade”, que hoje governa a província iraquiana de Nínive, a CNN relata que “aparecem editos da noite para o dia, espalhados em panfletos que contêm advertências terríveis, como, por exemplo, esta: ‘Todos os donos de lojas devem fechar as portas imediatamente ao soar o anúncio da oração e se dirigir à mesquita. Todos os infratores, após a emissão deste anúncio, enfrentarão as consequências’”.

Há regras específicas para os cristãos, como a que estipula um imposto (jizya) caso desejem continuar vivos. Os cristãos não estão autorizados a “expor cruzes, reparar igrejas ou recitar orações na presença de muçulmanos”, como informou em fevereiro o Observatório Sírio dos Direitos Humanos.

Reproduzimos abaixo o restante das novas regras, com base na tradução oferecida pelo Washington Post:

  • Todos os muçulmanos serão bem tratados, a menos que se aliem aos opressores ou ajudem os criminosos.
  • O dinheiro tirado do governo agora é público. Quem o roubar enfrentará amputações. Quem fizer ameaças ou chantagens enfrentará severas punições (nesta parte, é citada uma passagem do Alcorão, Al-Ma’idah 33, que diz que os criminosos podem ser mortos ou crucificados).
  • Todos os muçulmanos são incentivados a fazer as suas orações com o grupo.
  • Drogas, álcool e cigarros estão proibidos.
  • Grupos políticos ou armados rivais não serão tolerados.
  • A polícia e os oficiais militares podem se arrepender, mas qualquer um que insistir na apostasia enfrentará a morte.
  • A sharia está instaurada.
  • Túmulos e santuários não são permitidos e serão destruídos.
  • Seja feliz por viver em uma terra islâmica.

A última lei parece bastante difícil de ser aplicada.